Como parte de um conflito com as organizações sociais que representam desempregados e trabalhadores informais, o governo de Javier Milei não está entregando alimentos para os comedores populares desde o início de seu mandato, em dezembro passado. Desde então, permanecem nos armazéns do Estado pelo menos 5.000 toneladas de comida compradas pelo governo anterior. Em um contexto de crise econômica e crescente pobreza, a justiça ordenou nesta segunda-feira ao governo que distribua “imediatamente” os alimentos entre os comedores. No entanto, a Casa Rosada anunciou que irá recorrer da decisão.
Os dados oficiais do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC) indicam que na Argentina mais de 41% da população era pobre ou indigente no final de 2023. Hoje, de acordo com o Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA), a pobreza subiu para 57,4% da população e 32% das crianças e adolescentes sofrem de insegurança alimentar. Os comedores populares se multiplicaram nos últimos anos para oferecer alimentos gratuitos aos setores mais pauperizados. Embora haja mais de 40 mil inscritos no registro público em todo o país, até o ano passado havia 4.200 comedores registrados e, desses, 2.314 recebiam assistência do Estado.
Diante da suspensão do envio de alimentos que vinha sendo feito pelo Estado – no âmbito de planos em vigor para combater a fome – as organizações sociais que administram os comedores fizeram múltiplos pedidos administrativos e também protestos públicos. A ministra de Capital Humano, Sandra Pettovello, responsável pela distribuição de alimentos, foi denunciada pelo não cumprimento de seus deveres como funcionária.
Neste caso, um juiz determinou na segunda-feira que o Capital Humano “detalhe o estoque atual dos alimentos armazenados nos armazéns” – o governo já admitiu que em dois há cinco mil toneladas de produtos não perecíveis – e concedeu 72 horas para que “elabore um plano de distribuição desses alimentos de acordo com seu tipo, quantidade, data de validade e grupo-alvo, prevendo sua execução imediata”. Ao justificar sua decisão, o juiz Sebastián Casanello considerou que “o direito fundamental a uma alimentação adequada, reconhecido e protegido internacionalmente e a que o país conferiu status constitucional, impõe claramente ao Estado garantir sua eficácia de forma integral, pois não há vida sem saúde e não há saúde sem direito à alimentação”.
O governo tentará reverter a decisão do juiz. “Iremos recorrer”, anunciou o porta-voz presidencial, Manuel Adorni. Ele afirmou que “a justiça não pode se intrometer na política pública” e acrescentou que “esses alimentos são reservados preventivamente para emergências ou catástrofes. Isso não é apenas uma questão que acontece na Argentina, isso acontece em todos os países do mundo”, enfatizou. Na semana passada, ao tornar-se pública a existência dos depósitos com alimentos não distribuídos, Adorni havia dado outra explicação: ele havia afirmado que a distribuição foi interrompida porque, segundo “as auditorias realizadas pela ministra Pettovello, boa parte dos comedores” para os quais o governo anterior enviava alimentos “não existiam ou eram fraudulentos ou não tinham a quantidade de pessoas que afirmavam ter”. O governo de Milei já denunciou dirigentes de diversas organizações sociais por supostas coações e irregularidades na gestão dos alimentos intermediados até o ano passado, sob o governo do peronista Alberto Fernández.
“Contem como quiserem, inventem levantamentos fraudulentos, continuem com suas falsas generalizações, mas a única verdade é a realidade: vocês tiraram a comida das pessoas. Respeitem a decisão judicial”, reclamou o dirigente social Juan Grabois ao governo, que apresentou a denúncia contra a ministra de Capital Humano. Grabois detalhou que “as mercadorias armazenadas nos galpões são exclusivamente destinadas a atender a população vulnerável nos comedores e lanchonetes comunitárias”, de acordo com os acordos de aquisição firmados pelo Estado com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), financiadores dos programas contra a fome. Além disso, o dirigente do Grande Pátria lembrou que, além disso, com outra legislação e outro financiamento, existe um programa de assistência para situações de emergências climáticas e catástrofes naturais ou acidentais.
A Igreja Católica se pronunciou sobre a controvérsia com um claro apelo ao governo. “Tomamos conhecimento da existência de dois armazéns que têm cinco milhões de quilos de alimentos guardados”, disse no último domingo o bispo Oscar Ojea, presidente da Conferência Episcopal Argentina. “Não entro nas razões pelas quais estão guardados, mas penso que em tempos de emergência alimentar isso deve nos levar à reflexão. Eles devem ser entregues rapidamente”, pediu.
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