Tostão, um artista do Pacífico colombiano, foi quem abriu a décima segunda cerimônia dos Prêmios Gabo, os mais importantes do jornalismo na Ibero-América, citando as palavras de Shakira: a sociedade onde o jornalismo não tem lugar, é aquela que é “cega e surda-muda”. Um grupo de jornalistas que se recusam a ser cegos, surdos ou mudos, celebraram na noite de sexta-feira, a partir do teatro Jorge Eliécer Gaitán de Bogotá, a coragem do jornalismo: contra a corrupção na Guatemala, contra a violência na Amazônia brasileira, contra o machismo nas comunidades indígenas mexicanas, ou contra as máfias que dominam o abuso animal na Argentina.
“A entrega do Prêmio Gabo não apenas honra o jornalismo independente, mas também é um encontro oportuno para discutir sobre a importância vital de ampliar e expandir os espaços de liberdade de imprensa”, foram as palavras do fundador e diretor do elPeriodico, José Rubén Zamora, que recebeu o prêmio pela excelência por sua vida dedicada ao jornalismo. Zamora, que está detido arbitrariamente há mais de 700 dias na Cidade da Guatemala, enviou suas palavras para a cerimônia através de um de seus filhos, e não perdeu a oportunidade de também citar Shakira. A relação do jornalismo com o jornalista, diz, é como aquela canção da cantora para o filme O Amor nos Tempos do Cólera: “São amores que se tornam resistentes aos danos, como o vinho que melhora com os anos”.
“Hoje mais do que nunca precisamos falar sobre liberdade de imprensa”, foi a frase com a qual o prefeito da cidade, Carlos Fernando Galán, recebeu os convidados, referindo-se aos males da profissão como desinformação e à difícil forma de exercer a profissão em uma sociedade polarizada pelas redes sociais. Jaime Abello Banfi, co-fundador e diretor da Fundação Gabo, expressou apoio à Fundação para a Liberdade de Imprensa, ou FLIP, que recentemente tem sido alvo dos ataques do presidente Gustavo Petro. A FLIP é “uma instituição que nos representa e que nos ajuda a todos”, disse.
De todas as categorias dos Prêmios Gabo, apenas um trabalho conquistou prêmios em duas delas: A noite dos cavalos: o maior resgate equino da América do Sul, uma reportagem de longa duração publicada na revista Gatopardo e que venceu nas categorias de Texto e Fotografia. O texto, do argentino Diego Fernández Romeral, e as fotografias, da francesa Anita Pouchard Serra, explicam o sistema mafioso e a corrupção do governo argentino que permitem o tráfico de carne de cavalo, posteriormente vendido como gastronômico na França, Suíça e Bélgica. “Quero dedicar este prêmio ao jornalismo argentino, que não está passando por um momento fácil de sua história”, disse Pouchard Serra, mencionando o fechamento de meios e a precariedade econômica com a qual muitos repórteres independentes vivem.
Dois trabalhos que se concentraram na defesa da Amazônia também venceram em duas categorias distintas: Imagem e Cobertura. O primeiro foi para Vale dos Isolados – O assassinato de Bruno e Dom, um documentário brasileiro da TV Globo que investiga a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips em 2022, no Vale do Javari, a região com o maior número de indígenas isolados do mundo. “As condições foram estabelecidas por um governo que, com discurso e ações, retirou a proteção aos indígenas e a todos que defendem a Amazônia”, disse ao receber o prêmio Sônia Bridi, diretora do documentário e repórter especial na TV Globo, em referência a Jair Bolsonaro. O segundo prêmio foi para Amazon Underworld, uma investigação transfronteiriça sobre o crime organizado na Amazônia na qual participaram três meios: InfoAmazonia, La Liga Contra el Silencio e Armando.Info.
A surpresa da noite foi a categoria de Áudio, que premiou o jornalismo local liderado por uma mulher indígena da comunidade de San Martín Itunyoso, em Oaxaca (México). Nayelli López Reyes produziu, com a plataforma Spotify, um podcast intitulado As mulheres corajosas: Guií chanáa. Lá várias delas falam sobre um costume machista e doloroso que tem persistido ao longo das décadas: a venda de mulheres para casamento. López Reyes não quer sair da comunidade, quer transformá-la, e gravar a voz de suas compatriotas foi a melhor maneira de começar. O áudio está em espanhol e triqui. “Este prêmio é dedicado às mulheres da minha comunidade, por quererem uma mudança”, disse López Reyes na cerimônia. “Uma mulher muito forte”, como sua prima a descreveu no palco.