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Quando o irmão mais velho de Facundo, Ariel Quiroga, sofreu um acidente de carro em 2017, a vida dos cinco membros da família mudou drasticamente. Os cinco meses em coma e a subsequente deficiência obrigaram essa humilde família argentina a se dedicar completamente à recuperação do irmão. Mônica Barrera se tornou a única provedora de renda da casa; seu parceiro teve que se aposentar e tanto Maribel, a irmã do meio, quanto Facundo, o mais novo, tiveram que parar de frequentar a escola gradualmente para vender bolos na rua e ajudar em casa. “Sempre achei que seria temporário, mas o que ganhávamos era para os remédios. Não podia arcar com os materiais escolares deles nem com o transporte para a escola dos pequenos”, conta essa mãe de 48 anos em uma videochamada. A pandemia foi o último golpe. Mas a comunidade educativa e um algoritmo criado com inteligência artificial conseguiram manter o jovem e outros 4.000 estudantes nas escolas da província de Mendoza.
A pandemia agravou muitas feridas abertas na América Latina. No setor educacional, que já vinha combatendo altas taxas de abandono escolar, atraso tecnológico e uma grande lacuna entre áreas rurais e urbanas, muitos se perguntaram o que fazer com os crescentes níveis de evasão escolar ao ver que cada vez menos alunos se conectavam às aulas virtuais. Na Argentina, 7,6% dos estudantes do ensino médio abandonaram a escola após a covid-19. Esse percentual era quase dois pontos percentuais maior na província de Mendoza (9,1%). Por isso, a comunidade educacional decidiu acabar com o abandono escolar; o princípio de muitas desigualdades. E a inteligência artificial se tornou a grande aliada para isso.
A secretaria de educação, com o apoio do CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe e de um grupo de engenheiros da Universidade de Buenos Aires (UBA), criou um algoritmo para detectar quem está em risco de evasão. Com esse semáforo em mãos, e com os nomes dos estudantes, professores e alunos, eles se mobilizaram para reverter esses indicadores com consultas e atendimento personalizado. E até mesmo porta a porta. Assim, consultores da Escola 4110, como Carolina Resca, convenceram dezenas de famílias com contextos semelhantes ao dos Quiroga. “Acompanhamos esses alunos de maior risco minuciosamente”, conta. “Conseguimos que não se sintam sozinhos e que as famílias entendam que podemos ajudá-los. Já sabíamos que havia evasão, mas muitas vezes chegávamos tarde. Essa ferramenta nos ajudou a planejar”.
De 8.402 estudantes com alertas de risco médio e alto do 2023 em Mendoza, mais da metade (4.236) continuaram seus estudos. “Nosso objetivo é usar informações e evidências para melhorar a eficiência das políticas e lidar com problemas de evasão escolar”, explica Cecilia Llambi, executiva principal da direção de projetos de desenvolvimento social da CAF. Essa organização investiu 20.000 dólares para financiar a criação do modelo de inteligência artificial e a capacitação dos funcionários da província para seu uso. “Seria ideal promover mais iniciativas como essas, porque são necessárias. É um dos grandes desafios do continente”, acrescenta Llambi.
A escola encontrou uma maneira de sustentá-los através de duas medidas: a criação de uma cantina escolar que serve quase 180 refeições diárias e gratuitas e um subsídio para os ônibus que transportam os menores. “Isso seria benéfico para muitos alunos. Só terminamos de ver claramente com os dados na mesa”, explica Patrícia Robles, diretora da Escola 4110. Nessa escola mendocina, com um alto contexto de vulnerabilidade, a economia foi muitas vezes a principal razão para a evasão escolar. “Muitas crianças sentem que precisam ajudar financeiramente em casa e por isso não continuam conosco. Tínhamos que estar lá por eles”, conta.
A coleta colossal de dados mostrou que, pelo menos em Mendoza, existem quatro razões claras para a evasão: faltas repetidas, que resultavam na perda do status de aluno regular, pouco apoio familiar, acumulação de matérias suspensas e problemas de saúde mental. Essas causas não variavam muito entre meninos e meninas. No entanto, Juan Kamienkowski, pesquisador do Laboratório de Inteligência Artificial Aplicada do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) e um dos idealizadores do projeto, gostaria de continuar ampliando a base de dados e ter mais informações sobre a situação socioeconômica nas casas, pois esse é um fator transversal em quase todas as variáveis citadas.