O chef argentino que conquistou a Espanha com sua paella e possui um restaurante na Costa Atlântica.

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Todos os dias, ao chegar à creche, Juan Ignacio Kittlein se dirigia para a área de brincar de cozinha. Ele empilhava panelas e frigideiras de plástico, imitando o que via em sua casa todos os dias, onde via sua avó cozinhar com paixão. As professoras ficaram tão impressionadas que decidiram comentar com os pais dele. “Deixe ele em paz, se ele quer brincar ali, deixe-o, qual é o problema”, respondeu sua mãe. Essa conexão profunda com a gastronomia, nascida do inconsciente de uma criança que só queria brincar, o marcaria para toda a vida. Mais de 30 anos depois, Juan Ignacio é o dono de um belo restaurante em Miramar e o principal representante da paella na Argentina, com duas medalhas internacionais em seu currículo: uma de prata no mundial de 2022 e um terceiro lugar no prestigioso campeonato de Valência deste ano. “Tudo isso é como um sonho realizado”, resume, se necessário.Paella de peixe, camarão e mexilhão.

Embora Juani – como todos o chamam – tenha nascido em Bariloche, aos dois anos sua família decidiu voltar para Miramar, de onde eram oriundos. Sua infância foi marcada pela presença indelével – e às vezes esquecida – do mar, mas principalmente pelo ritmo de uma cidade onde a temporada determina o ritmo do ano. Nesse contexto, seus pais decidiram montar um empreendimento gastronômico, Los Mirasoles, onde Juani estreou como garçom. “Mas eu não gostava de atender o público”, diz, entre risos. “Eu era um pouco tímido e tinha dificuldade de contato com as pessoas”, pondera. Juani então passou a ficar nos bastidores, na cozinha de onde nunca mais sairia. “Eu ajudava a fazer pão, a montar os pratos e comecei a gostar do dia a dia; além disso, durante minha adolescência, quando nos reuníamos com meus amigos, eu era o responsável por fazer as pizzas”, relembra.

Seu caminho estava bastante predestinado. Aos 17 anos, ele foi estudar gastronomia em Mar del Plata e logo começou a fazer seus primeiros estágios no Sheraton dessa cidade, até que decidiu voltar para sua cidade natal para trabalhar no restaurante Puerta del Bosque e depois no Romeo, onde se tornaria chefe de cozinha por 10 anos. No meio tempo, teve outra experiência crucial: um ano de trabalho no Sarasa, onde afirma ter mudado para sempre sua visão do que é trabalhar em uma cozinha: “Eu estava encarregado dos defumados e ao meu lado estava a garota que preparava os risotos; então percebi que eu os preparava mal, que não aplicava a técnica correta. Eu os provei e fiquei maluco”. Ao retornar ao Romeo, incorporou vários arrozes e foi um sucesso. De repente, tornou-se o prato mais popular.

Um dia, enquanto passeava pela rua, algo capturou sua atenção. “Vejo em uma livraria um título bem grande que dizia simplesmente ‘Arroz’, de Hernán Gippone. Nunca me tinha chamado a atenção a paella, não a tinha em meu radar”, admite. No entanto, o que descobriu naquele livro mudaria sua vida para sempre. Ele começou a cozinhar paellas em seu restaurante e a resposta do público foi esmagadora. “Comprei as paelleras para porções individuais e, de repente, chegavam clientes que tinham morado na Espanha e me diziam que não devia nada às paellas espanholas”. Juani teve que adaptar toda a cozinha para poder incorporar porções cada vez maiores. Ele se deu conta: “É isso”.

O caminho para a glória internacional começou quando, em 2021, ele se inscreveu para participar do Mundial de Paella na Espanha. “Era o único argentino representando o país”, comenta com orgulho. “Eu fui me apaixonando por esse prato, também as pessoas, que já me identificavam com isso”, acrescenta. A repercussão fez chegar a ele mensagens de encorajamento de muitos lugares do país. Entre eles, a de Juan Mejías, um miramarense instalado em Termas de Río Hondo que entrou em contato com Juani para avisar que estaria lhe enviando “uma encomenda com coisinhas”. “Em pouco tempo, chega uma caixa com arrozes espanhóis e açafrões”, relembra Juani. “Nos tornamos muito amigos e hoje ele é meu sócio”, adiciona.

Ambos viajaram para Valência para participar do mundial, onde conquistaram um segundo lugar que marcou um ponto de virada. “Foi um antes e um depois. Percebi que minha fase no Romeo (um dos restaurantes em que trabalhava) estava cumprida, que precisava projetar algo próprio”.

Esse “algo próprio” se tornou o Socarrat, o primeiro restaurante de paella da Argentina, focado exclusivamente nesse prato, e localizado em uma bela casa antiga reciclada com muito bom gosto. “Comprei todas as paelleras disponíveis no mercado, me obsidionei com os materiais, o nível, o caldo, os sofridos. De repente, as pessoas começaram a vir pela paella, me chamam para fazer eventos. Consegui me posicionar em algo totalmente novo, que ainda não estava explorado na Argentina. Outros chefs me consultam sobre os arrozes, os caldos…”, conta orgulhoso.

Mas a história não termina aí. Em 2023, Kittlein decidiu voltar para a Espanha, desta vez para o prestigioso Concurso de Paella Valenciana em Sueca, o berço desse prato icônico. Nesse torneio, o mais antigo e exigente do mundo, ele competiu com os melhores chefs de paella da Espanha. “Sabíamos que a paella estava saindo bem, mas havia outros 45 chefs. O lógico era que os três primeiros lugares fossem dos espanhóis”, relata. “Já não se mede mais com gente internacional, mas com os melhores do mundo”, esclarece.

Antes dos prêmios, o júri concedeu menções, uma delas era a melhor paella internacional. O duo do Socarrat tinha colocado uma ficha ali, para não sair com as mãos vazias. “A menção foi para um chef australiano e pensamos, pronto, não ganhamos nada”, diz entre risos. “Quando nos deram o terceiro lugar, não podíamos acreditar. Todo mundo nos parabenizava e estavam surpresos que um restaurante argentino pudesse alcançar esse prêmio”, acrescenta.

Hoje, Juani continua dedicado de corpo e alma ao seu restaurante, cada vez mais apaixonado pelos pratos de arroz e suas variações de um prato tão icônico como a paella. “Você se prepara, não é uma questão de sorte. Embora nunca tivesse imaginado isso, eu queria isso. Estava preparado para quando chegasse o momento”, reflete. De Miramar, ele conseguiu colocar a paella argentina no mapa internacional e mostrou que era possível dar um toque pessoal e autoral. “Há seis anos, se me procurava na internet e não aparecia nada. E agora consegui me posicionar em algo totalmente novo”, conclui.

Alex Barsa

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