Picante, fresca, terrosa, intensa, doce, suculenta, perfumada, suave, oleosa, colorida, fofa, amarga, leve, adstringente, efervescente, cremosa, ácida, compacta, delicada. Assim é a culinária peruana de hoje. E poderia receber muitos outros adjetivos, tanto em contradição quanto em harmonia entre si. Porque se algo define a gastronomia contemporânea do Peru, é a sua diversidade: de sabores, nuances, ingredientes, origens. É na combinação das riquezas próprias de diferentes épocas – 5.000 anos de culturas sucessivas – e tradições adquiridas por conquistas e correntes migratórias diversas, onde nasce a autêntica culinária local. No ponto exato da união, explode sua potência fenomenal, que concede ao país um prestígio indiscutível em todo o mundo e um forte atrativo para o turismo.
No Circuito de Praias de Lima – localizado no distrito de Magdalena del Mar, a apenas 15 minutos de Miraflores – foi realizado pela terceira vez o Peru Mucho Gusto na capital do país, sendo a edição número 26 da emblemática feira peruana. Organizada pelo PROMPERÚ, o escritório de promoção turística do Peru, esta feira aberta e gratuita ao público reuniu pratos de todas as regiões do país. Entre os 151 expositores, os melhores restaurantes ofereceram seus pratos, houve shows, aulas de culinária e um mercado com produtos locais e artesanato. A ideia era valorizar as técnicas e costumes, tanto ancestrais quanto inovadores, os ingredientes e as personalidades da culinária que são objeto de admiração.
A música ecoa com entusiasmo, de vez em quando passa algum grupo de dançarinos e gigantes animando os presentes: famílias peruanas, turistas, profissionais e muitos estudantes de gastronomia. Há mesas ao ar livre para que cada um deguste sua escolha. Alguns visitantes chegam com suas toalhas de mesa e louças, prontos para passar um dia cheio de sabor e entretenimento.
No ar salgado trazido pela brisa do mar, pairam fumaças e aromas dos mais variados alimentos. Brilha um sol que nesta cidade surge timidamente e adiciona ao clima de festa. A festa popular da gastronomia se reúne em um imenso terreno – 50 mil metros quadrados ao lado do Pacífico – onde geralmente não há nada e nesses dias há uma grande estrutura montada, que parece mentira que seja efêmera.
Em Peru Mucho Gusto há uma narrativa forte que explica o fenômeno gastronômico. Os estandes de comida estão divididos em três pavilhões de acordo com a região: o mar, a serra e a floresta se distribuem em um espaço azul (a costa), terracota (os Andes) e verde (a Amazônia). Em cada um deles, é possível provar pratos típicos oferecidos – explicados e exibidos com orgulho – por seus produtores e a preços acessíveis. As porções custam entre 15 e 30 soles (ou seja, de 4 a 8 dólares).
O Oceano Pacífico define a culinária de Lima. A capital do Peru está de frente para o mar. E um dos cinco sentidos se imporá sobre o restante nessa experiência. Este cenário marítimo não é claro nem brilhante, sendo plúmbeo entre a cor escura da água e um céu em que o sol raramente aparece. Não se ouve o barulho das ondas nem se sente o cheiro de iodo e sal da cidade, já que os penhascos mantêm o oceano a uma distância considerável da área habitada. As praias têm pedras em vez de areias finas e, entre as ondas, uma corrente fria de Humboldt produz uma forte descarga ao entrar em contacto com o corpo, encorajando apenas os surfistas – devidamente enfiados em neoprene – a se aventurar.
Mas este mar oferece ao paladar tudo o que sonega ao toque, à vista, ao ouvido e ao olfato. O prato mais requisitado foi o ceviche. Apresentado em múltiplas versões, ganhou aplausos dos comensais.
O sabor autêntico que distingue a cozinha limeña desperta nesse Pacífico implacável. A presença de fito e zooplâncton, somada às baixíssimas temperaturas das correntes, faz com que a fauna marinha seja de uma qualidade incomparável: peixes e frutos do mar vigorosos, de textura compacta e concentração de sabores. É a frescura de tê-los ali, tão perto, enriquecidos e tão generosos que potencializa pratos que explodem de sabor na boca.
No pavilhão Costa de Peru Mucho Gusto, os ceviches competem e não encontram limite em suas apresentações. Uma múltipla variedade é encontrada, como ceviche de peixe branco, de conchas negras com leite de pantera, de polvo, de almejas, de truta, de caranguejo e até de pato.
A técnica da pachamanca, que se realiza na terra, é recriada em grandes tonéis de cimento. Baseada na cosmovisão andina, é uma preparação ritual dentro da própria terra, com pedras quentes que geram vapor. A comida – porco, tamales de milho e canela, favas, batatas andinas – são envolvidos em folhas e tecidos de serapilheira para conservar o calor.
Em carnes, há cordero assado no forno (cordeiro), anticucho de alpaca e cuy, um roedor muito utilizado na culinária da etnia indígena pakamuro.
A Cozinha amazônica é representada principalmente pelos peixes de rios e condimentos, que são um verdadeiro festim.
Além dos pratos, Peru Mucho Gusto também conta com áreas de padaria, bebidas e, é claro, doces. Picarones, pastel de choclo puneño, cachangas e uma variedade de sorvetes exóticos fazem parte das opções doces. Também há champú, uma marmelada frutal menos doce e mais cremosa servida quente com colher.
Peru Mucho Gusto Lima procurou revalorizar as tradições, saberes, histórias e receitas emblemáticas da gastronomia regional e dos diferentes atores envolvidos. Com o conceito de “Sabores com história”, buscou inspirar uma cozinha evolutiva com base nas receitas milenares do país.