A polêmica começou quando uma legisladora portenha de União por Todos, María Bielli, tentou acessar a página do Ministério da Educação da cidade para consultar os conteúdos ministrados em diferentes níveis sobre Educação Sexual Integral (ESI). Eles não estavam mais disponíveis. Em vez disso, havia uma explicação oficial: eles foram retirados com o objetivo de realizar um “estudo neutro”. Foi aí que ela lançou a pergunta nas redes sociais: “O que significa ‘revisão neutra’?” A mensagem que a legisladora encontrou é a mesma que qualquer usuário veria ao tentar acessar esses conteúdos, e estará lá até o início das aulas: “As autoridades do governo da cidade de Buenos Aires decidiram iniciar uma revisão abrangente dos conteúdos envolvidos no ESI (Educação Sexual Integral). Todos os documentos, imagens, vídeos, cursos, atividades e bibliografia desta matéria serão objeto de um estudo neutro. Enquanto isso, e durante o recesso escolar, os conteúdos de ESI que estavam disponíveis nas páginas oficiais do governo ficarão inacessíveis”, lê-se na página. O Ministério da Educação da cidade, liderado por Mercedes Miguel, ainda não divulgou informações oficiais a respeito. Outras fontes indicaram que se trata de uma decisão de reavaliação de conteúdos, como poderia acontecer com outros materiais educativos. E que serão analisados por uma equipe de especialistas consultados pela pasta da educação. No entanto, não foi divulgado quem serão esses especialistas, nem com quais critérios serão avaliados. Também foi divulgado que seria uma decisão política tomada fora do âmbito do ministério e próximo à Vice-Chefia de Governo, liderada por Clara Muzzio. Deve-se lembrar que há algum tempo Muzzio vem publicando mensagens em suas redes sociais sobre o impacto social, econômico e familiar da queda da natalidade nas grandes cidades, razão pela qual se viu envolvida em polêmicas e trocas de opiniões com múltiplos usuários da rede social, incluindo o jornalista Luis Novaresio. Consultados se a decisão de impulsionar uma revisão de conteúdos foi impulsionada por Muzzio, desde o seu entorno preferiram não fazer declarações. “A cidade de Buenos Aires foi pioneira na Educação Sexual Integral, e construiu um arquivo diversificado e valioso que tem sido – até agora – uma ferramenta indispensável para os professores da cidade e do país”, escreveu a legisladora de oposição. “Acho que é uma provocação absoluta. Retirar o material, que é muito valioso e é o acúmulo de um trabalho de muitos anos, com uma inscrição de uma suposta ‘revisão neutra’ à qual serão submetidos, acredito que é uma tentativa de Jorge Macri, Clara Muzzio e companhia de estar ‘a par’ com um discurso que é bastante problemático, porque não apenas viola uma lei, mas legitima desigualdades de gênero e naturaliza a violência, entre outras coisas. E não em qualquer contexto. O orçamento nacional que Milei finalmente não enviou ao Congresso não tinha um centavo para a ESI. Por isso preocupa que as autoridades da CABA estejam mais preocupadas em não destoar com um discurso da época, do que em garantir direitos e tranquilidade para crianças, adolescentes e suas famílias”, disse Bielli ao ser questionada pela LA NACION. Durante esses dias, até o início das aulas, os materiais para trabalhar a Educação Sexual Integral nas escolas, dentro da página do governo portenho, estarão inacessíveis. Deve-se lembrar que, já no governo nacional, a vice-presidente Victoria Villarruel vem questionando, de várias formas e em várias ocasiões, o conteúdo dos materiais usados para a ESI. No entanto, a maioria das objeções até agora tinha apontado para conteúdos elaborados pelo governo nacional anterior e para os materiais utilizados na província de Buenos Aires, onde até a seleção de livros feita para abordar transversalmente a ESI foi questionada. A Cidade eliminou os conteúdos online sobre a ESI.
Até agora, nem mesmo dos grupos mais conservadores ou pró-vida, houve críticas aos materiais usados no âmbito da cidade de Buenos Aires. “Meu filho teve ESI em CABA desde o nível inicial até o quinto ano. Não tivemos problemas com o material, nenhuma família reclamou e não consideramos os conteúdos inadequados. Não entendo o motivo”, publicou a usuária @rubiareuperada em resposta à legisladora Bielli. A Educação Sexual Integral foi estabelecida como um direito das crianças e adolescentes em 2006, pela Lei Nacional 26.150; no âmbito da cidade, é protegida pela Lei 2110, do mesmo ano. Ambas as leis garantem acesso a conhecimentos e ferramentas sobre sexualidade, de acordo com a idade. “A partir da ESI, a sexualidade é abordada de forma integral incluindo diferentes dimensões: biológica, psicológica, sociocultural, jurídica e ética”, lia-se no material que estava na página do governo portenho antes de ser retirado para revisão. A lei estabelece a obrigatoriedade de abordar a educação sexual de forma integral, sem abordagens arbitrárias ou sujeitas à crença ou valores de um determinado grupo. A maneira de ensiná-la e os conteúdos específicos são de responsabilidade de cada jurisdição e de cada governo. Ou seja, não é algo determinado pela lei, nem nacional ou local. No entanto, de acordo com o que a LA NACION apurou, a informação está sequenciada por níveis. A maioria desses materiais tem entre seis e 17 anos de antiguidade. Assim, até agora, no nível inicial, as crianças aprendem a reconhecer e expressar sentimentos e emoções; o respeito pelas diferentes formas de organização familiar; as partes íntimas do corpo humano e como nomeá-las corretamente. Também aprendem a expressar quando uma interação com outra pessoa, seja física ou verbal, os incomoda ou perturba; além disso, trabalham para desnaturalizar os papéis de gênero e aprendem a recorrer a adultos de confiança quando precisam de ajuda, bem como noções básicas de gestação e nascimento. As fontes usadas até agora são os “Lineamentos Curriculares para a Educação Sexual Integral”, do Conselho Federal de Educação (2008), juntamente com os “Lineamentos Curriculares para a Educação Sexual Integral no Nível Inicial”, do governo da cidade de Buenos Aires (2011) e o “Projeto Curricular para a Educação Inicial, meninas e meninos de 4 e 5 anos” , do GCBA (2019). No ensino fundamental, até agora, os seguintes conteúdos eram ensinados, com diferentes metodologias: a desnaturalização dos papéis de gênero; as diferenças biológicas; o respeito pela diversidade sem preconceitos ou atitudes discriminatórias; modelos corporais na mídia e na publicidade; uma visão integral da reprodução humana, incluindo afetividade e consentimento; prevenção de todas as formas de violência e abuso sexual. As fontes consultadas, de acordo com o material oficial, eram os “Lineamentos Curriculares para a Educação Sexual Integral”, do Conselho Federal de Educação (2008), e os “Lineamentos Curriculares para a Educação Sexual Integral no Nível Fundamental”, GCBA (2011). No ensino médio, os conteúdos oficialmente previstos até agora eram: construção social e histórica do ideal de beleza e papéis de gênero; métodos anticoncepcionais, prevenção de gravidez não intencional; infecções sexualmente transmissíveis; quadro legal para o acesso aos serviços de saúde sexual; violação de direitos: violência, assédio, abuso, maus-tratos, exploração sexual e tráfico de pessoas; desenvolvimento de capacidades para tomada de decisões e fortalecimento da autoestima; cuidados nas relações afetivas e prevenção da violência de gênero. As fontes consultadas são os “Lineamentos curriculares para a Educação Sexual Integral”, do Conselho Federal de Educação (2008) e o “Projeto Curricular para a Nova Escola Secundária da Cidade de Buenos Aires” (2015).