No final do Século XV, um navegante chegou em uma ilha do Caribe. Ele chegou em um navio, com armas, uma cruz e a vontade de comandar. O homem tinha tomado um rumo errado, mas não sabia. Ele também não estava sozinho e todos estavam vestidos de forma estranha. A existência, que até 1492 estava organizada e em relativa harmonia com o ambiente, foi reconfigurada em uma ferida sem sentido. Nada foi mais o mesmo para os taínos, habitantes das Grandes Antilhas (Cuba, Hispaniola, Jamaica, Porto Rico, Bahamas), nem para os caribenhos, guerreiros que viviam nas ilhas de Sotavento (Dominica, Martinica, Santa Lúcia, Grenada), nem para tantas outras comunidades nativas espalhadas pelo paraíso caribenho.
Após a Espanha colocar o pé na atual Haiti-República Dominicana, outras coroas não demoraram a se juntar à “descoberta”. Ingleses, franceses, holandeses, portugueses participaram do festim cruel da conquista. Das culturas originais não restou nada, exceto o terror, que ao longo dos séculos se transformou em esquecimento. E os herdeiros da nova ordem socioeconômica imposta pela colonização – por meio da escravidão – se reinventaram em uma única identidade: a caribenha.
Os trópicos encorajaram a diversidade de cultivos, a criação de animais domésticos e nas águas salgadas e límpidas fervia uma colorida diversidade de peixes. E foi assim que a alimentação, assim como o idioma de cada ilha, adquiriu um caráter específico dependendo da origem dos invasores. Com o aumento da indústria do turismo a partir dos anos 60, a realidade culinária foi segmentada em dois: a cozinha de sobrevivência, preservada no anonimato da vida familiar, e a gastronomia pública, difundida pelos hotéis de luxo, com alto grau de sofisticação. Essa é a frente e o avesso dessas sociedades de genética muito misturada: a comida que nutre e a cozinha que agrada.
Há um prato tradicional comum em todo o Caribe e esse é o boucan, ou buccan. São fatias ou tiras de carne de porco seca e defumada, temperadas com ênfase e que, inicialmente, eram de javali. Os franceses da antiga Hispaniola caçavam esses animais, que além de se alimentarem deles, também os vendiam aos navios, motivo pelo qual eram chamados de bucaneros. Essa comunidade de rebeldes também não fazia parte da elite dos corsários, que praticavam pilhagens organizadas com o aval da coroa. No final das contas, o boucanero era um marginal anarquista do século XVII.
Desde então, cada ilha, à sua maneira e de acordo com as idiossincrasias, exalta seu próprio boucan, de raízes taínas e africanas. A carne é temperada com sal e deixada secar ao sol; em seguida, é defumada com madeira de cedro ou de guaiacão, responsáveis por dar um sabor muito especial. As especiarias, que incluem pimenta, orégano, além de alho e cebola, completam seu caráter.
Seu equivalente em inglês é o jerk, termo que refere-se a todo tipo de carne temperada de longo cozimento, tornando-se um amontoado de fibras, ideal para sanduíches. Jamaica glorifica o jerk, transformando essa carne suína de natureza bravía, altamente temperada e assada por horas em fogo lento. Tanto no Haiti quanto na República Dominicana – que, no final das contas, são a mesma ilha – esse método também é aplicado à carne bovina e ao frango. Seu destaque é amplo: em saladas, guisados, com arroz ou com legumes, o boucan não decepciona.
Da íngreme e frondosa geografia jamaicana, provém uma pimenta que não arde, e não é, na verdade, Piper nigrum, a renomada quatre épices da França devido ao seu agradável e complexo mix de aromas de noz moscada, cravo, canela e pimenta preta. Esse fruto costuma estar presente no tempero do jerk caribenho, junto com pimentas ardentes com formato de chapéus, identificadas como “pimentas escocesas”, além de coentro, orégano, alho e cebola.
A bandeira da singularidade gastronômica tremula em Jamaica. Desde os não simples curries – um tradicional, o de cabra – até as ictiologias de crustáceos e outras, frescas ou defumadas, a variedade de recursos permite brincar com uma ampla margem de criatividade. Isso é comprovado pelos profissionais das cozinhas dos resorts e hotéis all inclusive. Fora dessas realidades paralelas, o foco está nos caracóis king size (filetados e fritos); nos peixes brancos grelhados; nos guisados de carne; no callaloo, vegetal mais conhecido como espinafre chinês ou couve da índia, que faz parte de vários pratos.
Apesar do óbvio, vale lembrar: a lagosta é uma grande protagonista na mesa caribenha, geralmente mais apreciada pelos turistas do que pelos locais, porque, além disso, não é a única joia culinária. Em várias ilhas, cresce uma árvore nativa da África Ocidental que é meramente ornamental, mas apenas em Jamaica seus atrativos frutos são bem-vindos para comer. Vermelho por fora, quando maduro, o ackee se abre e mostra uma polpa consistente e amarela com grandes sementes negras.
Em combinação com peixe seco – cavala ou bacalhau – é considerado o prato nacional, sempre presente em um típico café da manhã jamaicano substancioso e nos preparativos das refeições. À primeira vista, um ackee cozido parece ovos mexidos e tem uma característica nada óbvia para o não iniciado: se não estiver maduro, é tóxico, mas deixa de ser quando está completamente aberto, despedaçado, com todo o seu interior exposto. Por questão de nobreza, foi chamado de Blighia sapida em memória daquele que o levou da África Ocidental para Jamaica: o capitão Bligh.
Para notar, nas estradas é comum a presença das exuberantes árvores que produzem ackees. O ouro de Jamaica, porém, chama-se café. Outro tema.
Cuba se impõe a poucas milhas de distância de sua vizinha Haiti, onde, apesar da miséria, o arroz com feijão e especiarias (djon-djon), o doce pão de banana (pain patate), o porco marinado e assado (griot), além do boucan seco e defumado, e o guisado de vegetais (legim), são o habitual. A maior ilha do Caribe, por sua vez, é depositária de uma herança culinária vinda da Espanha, que a dominou por quase quatro séculos (1511-1898) antes de se render após a Guerra Hispano-Americana.
Dos desencontros históricos também surgem heranças não planejadas. A típica Ropa Vieja espanhola – reciclagem dos restos do cozido madrilenho – é reinventada “à la cubana” com o mesmo critério: aproveita a carne restante da fervura, refogada com um picadinho de cebola, alho, pimentão, tomate, vinho branco seco, louro, azeite de oliva e servida com arroz branco, além de uma salada fresca.
Além das previsíveis frutas tropicais, a culinária cubana é um reflexo da cozinha ibérica em pratos doces (torrijas, brazo de gitano, crema frita, isla flotante, tocino de cielo, etc.) e em pratos salgados: patinhas de porco, fricandó, jardinera de carne, cordeiro à minuta, tasajo, coelho ao não-se-sabe, feijões pretos, o infalível arroz com frango, bananas fritas, poços de ovo e o que mais o mar traz. As 320 receitas que preenchem as páginas do livro Cozinha Cubana, de Raquel Rabade Roque, atestam uma culinária simples, marcada por ingredientes como alcaparras, tomate, vinho branco seco, banha, cogumelos enlatados e pimentões enlatados. No entanto, esse compêndio é uma utopia, já que a realidade das últimas décadas em Cuba, pátria de José Martí, é definida pela escassez.
Enquanto isso, o turismo nos resorts vive uma experiência muito diferente. Para compreender as influências na culinária caribenha, seria necessário aprofundar-se nos textos históricos, particularmente no impacto das colônias portuguesas em ilhas como Santa Lúcia, Martinica, Grenada e Barbados. A presença do bacalhau, por exemplo, conecta essas ilhas com as tradições trazidas de além-mar.
As cozinhas caribenhas de hoje giram em torno do arroz, introduzido por espanhóis, portugueses e mais tarde britânicos. Porto Rico se orgulha de seu arroz com gandules (feijão com especiarias), dos alcapurrias – empanadas de banana – e das tradicionais empanadas de carne. Apesar de seu status como “Estado Livre Associado de Porto Rico” e sua ligação com os Estados Unidos, a ilha mantém quatro séculos de herança hispânica, refletida no gosto pelo vinho espanhol e o churrasco.
Nas Bahamas, a fritura de caracóis marinhos e peixes voadores é uma iguaria, complementada pelo clássico doce de goiaba, o guava duff. No Caribe Oriental, territórios como Dominica, Martinica, Guadalupe, Antígua e Barbuda e Montserrat apresentam cozidos de carne ou peixe com coco, curry de carne, frituras de bacalhau e jerk de porco. Destacam-se pratos como o cou cou – preparado com farinha de milho e quiabos – sopa de cabra em Montserrat, roti (pão indiano semelhante ao chapati) e tortas de curry de lentilhas em Trinidad e Tobago.
Nas ex-colônias holandesas de Aruba, Curaçao e Bonaire, celebra-se uma culinária crioula enriquecida por diversas influências. Em Aruba, o prato emblemático é o Keshi yena: um queijo recheado com carnes, legumes e passas, uma invenção dos escravos do século XVII.