A estrada percorre campos ondulantes que se ve de cima e depois atravessa pelo centro, formando barrancos ao redor. Colinas e montanhas, vales e ravinas, se sucedem em uma paisagem agrícola, interrompida de tempos em tempos por postos de madeira com ovelhas e a imagem distópica de enormes turbinas eólicas. A paisagem de colinas verdes e montanhas de Minas de Corrales. É a antessala de Minas de Corrales, o peculiar povoado uruguaio localizado a 90 quilômetros de Rivera, uma das fronteiras escolhidas por tantos argentinos com destino ao Brasil. A rua principal, com cerca de seis quadras, não parece desmesurada. “Ah… mas fofoca (chisme, em português) temos, e das boas”, garante Edelweiss Oliver, na porta da Pousada do Mineiro, um estabelecimento – o único – que resume a história local e recentemente foi premiado como PME uruguaia do ano. O ritmo do povoado de Minas de Corrales. Intuitivamente, poderíamos dizer “futebol, churrasco, candombe” ao falar do Uruguai, mas nunca mineração. “Sim, soa estranho. Mas foi muito intensa até alguns anos atrás. Até hoje há rumores sobre uma possível reabertura”, conta Mercedes Viana, esposa e sócia de Oliver em um local que enfrentou tantas adversidades quanto o povoado, e que, como este, superou-se ganhando vários prêmios de inovação. “Estão no único local do país com categoria de minerador, que viveu do ouro, e em parte do campo, até hoje”, afirmam. Segundo elas, o próprio DNA dos habitantes é de mineradores e se expressa em gestos parcos e muita introspecção, mas também em força, na tenacidade para resistir. “Corrales surgiu no final de 1800 sobre as próprias minas, sem planejamento, sem praça, sem qualquer ordem urbana. Trabalhava-se embaixo, e em cima construíam-se ruas, comércios e residências. Tudo muito ‘aqui e agora'”, explicam. O impulso inglês e depois francês, alguns personagens heroicos como a família Davison, e a grande quantidade de crianças e jovens que lotam a imensa escola estadual, povoam as intrincadas e desordenadas calçadas. O acesso à Boca da Mina Ernestina. Um antigo bilhete de época em que a mina Ernestina funcionava. “Cuidado, apesar do que parece, Corrales tem 3.600 habitantes, o que neste país é muita gente. São vestígios do crescimento mineiro. Mesmo na década passada, registramos os mais altos rendimentos do Uruguai, o que explica de algum modo a lentidão em buscar algo que não seja mineração”, afirma Oliver. Mas é uma esperança um tanto enganosa, que tem de um lado o brilho do ouro, ainda agarrado às pedras e escondido nas areias. Mas do outro lado, o letargo da espera. A busca artesanal de ouro em um riacho da região. A pousada tem uma grande piscina e um parque arborizado. Aberta em 1887, a pousada teve vários donos e nomes emblemáticos como Hotel Artigas, em homenagem aos títulos originais de propriedade que estavam em nome do irmão de José Gervasio, recebidos por doação real de Pedro II. Em 1930 passou às mãos dos Viana, após décadas de auge e declínio da mineração. “Nós a assumimos em 2011, quando o pai de Mercedes adoentou e já não podia mantê-la. Fizemos várias mudanças, como acordo com fornecedores das mineradoras para alugar permanentemente, e assim dar-lhe outro foco, outro nome e expansão. Foi um desafio em muitos aspectos, porque vivíamos em São Paulo, uma cidade com 18 milhões de pessoas, e de repente estávamos aqui”, acrescenta Oliver, cuja profissão principal não é a hotelaria, mas a programação informática. Os capacetes e as antigas malas empilhadas recordam os tempos de esplendor das minas. Painéis da rota do ouro na porta da pousada. Nesse tempo passaram de cinco para 22 quartos, hoje distribuídos em galerias que rodeiam um amplo parque em forma de ferradura. Neles se mantém a temática da mineração, desde as cabeceiras de cama antigas e as luminárias dos túneis, até as antigas malas empilhadas formando um escritório. Por trás da fachada antiga em madeira e pedra está o salão onde se organizam festas e shows musicais. É uma espécie de antiga taberna, com uma adega importante e vários jogos de mesa e enigmas como “A Conspiração”, um desafio que costuma envolver toda a família na busca de pistas para conhecer a vida do minerador Arnoldo. A galeria da pousada convida ao relaxamento. Ao lado está o restaurante, que ganha prestígio com um menu discreto mas muito bom, com pratos caseiros que homenageiam a cultura da mineração, como o chivito de pão negro ativado com carvão e farpas de ouro. No meio do parque sobressai uma grande piscina, com uma banheira de um lado e um hidromassagem do outro. A churrasqueira, o salão de festas, a mesa de pingue-pongue, as poltronas e as redes. “A fronteira sempre foi um tema aqui. Tanto que em determinado momento não se sabia se você estava no Brasil ou no Uruguai. Ainda hoje, para muitos uruguaios, tudo o que está do outro lado do rio Negro é algo mais indefinido do que distante. Basta lembrar, como dizem os locais, que a região de Artigas foi vendida para pagar um farol no sul”, lembram. O restaurante da pousada tem um prato “mineiro”: chivito de pão negro ativado com carvão e farpas de ouro. O que houve com certeza foi, em meados do século XIX, o Tratado de Permuta, que contemplava uma troca de territórios: o Brasil ficaria com a zona da atual cidade de Rivera em troca do Rincão de Maneco. Finalmente, o congresso uruguaio não ratificou o acordo, mas o Brasil ocupou igualmente o território, que depois foi renegociado. Entretanto, ainda hoje o Rincão de Artigas (ou Rincão de Riga), uma porção de 257 km2 ao lado de Rivera, continua figurando como limite “contestado”, o que implica que ambos os países ainda não concordaram com sua demarcação. Ruínas da antiga usina hidrelétrica Cuñapirú, onde se processava o ouro proveniente das minas San Gregorio e Santa Ernestina. Segundo alguns documentos, o processo minerador foi iniciado pelo brasileiro José Soares, que empilhava frascos com areia e pequenas pedras brilhantes diante do olhar desconcertado de seus vizinhos. Assim começaram a chegar desordenadamente outros brasileiros, e depois europeus, como Clemente Barrial Posada, um engenheiro asturiano que veio a pedido da coroa espanhola. Também ele, sem querer, alertou o governo local quando solicitou uma permissão de exploração em território onde ninguém sabia que havia ouro. “O governo local retribui um favor ao militar José Gregorio Suárez e entrega a zona que hoje é Minas de Corrales, onde começa a mina San Gregorio sob direção inglesa. Por isso, em todo o perímetro do povoado, até mesmo nas barrancas do córrego que o atravessa, vêem-se bocaminas com túneis que se cruzam e formam galerias subterrâneas”, contam as proprietárias da pousada. O acesso à antiga mina é uma das principais atrações turísticas do local. Poco después, el desembarco fue de los franceses, el otro imperio que sustentaba su moneda en oro. “Son quienes compraron la otra gran mina a Barreal Posadas, y fundaron Santa Ernestina, el pueblo vecino que hoy está deshabitado, pero llegó a tener 3000 habitantes en 1880. Amos y señores, los galos montaron la primera represa hidroeléctrica de América del Sur, con generación de energía hidromecánica para mover una moderna planta de procesamiento de oro que incluía un aerocarril.” Fue la época de mayor riqueza, con empresas de 500 empleados y minas dando oro por décadas. Si miras campo adentro aún se ven las torres del aerocarril que atraviesan 12 kilómetros por el aire para transformar rocas en lingotes”, amplían. Siempre con casco, se pueden recorrer los túneles y galerías de donde se extraía el oro. “Mas esse esplendor tinha seu lado negativo, e não apenas no baixo salário ou nas longas jornadas de trabalho. Basta citar uma greve reprimida brutalmente, com mais de 200 mortos que depois foram declarados como resultado de um suicídio em massa, segundo o documento oficial. Para o exterior, no entanto, ambas as minas ofereciam um panorama brilhante à região: era a mais desenvolvida do norte uruguaio, com três hotéis (um deles a atual Pousada do Mineiro), operações cirúrgicas agendadas com a luz do represamento, e até uma filial da elegante confeitaria La Giralda. Em 1918, ao concluir a Primeira Guerra Mundial, os investimentos franceses se retiraram. Foram deixados trabalhos em minas menores, fecharam os outros dois hotéis e Santa Ernestina sofreu grande êxodo. A vitivinicultura e o gado retiveram alguns poucos, apadrinhados pelo Dr. Davison e sua esposa – enfermeira e parteira local – que montam uma usina gratuita e de uso social. Assim começou a se organizar o atual povoado, que vive do campo até 1996.” E então chegam os investidores canadenses, que curiosamente se retiram em 2018, 100 anos depois dos franceses. E que deixam, como naquela época, todos na cidade de boca aberta”, concluem. Javier Carreira chegou em Corrales há uns 15 anos e se tornou garimpeiro ou procurador artesanal de ouro. a luz do ouro iluminava a mente e alma, e para a alquimia – praticada até o século XVIII – era a chave da pedra filosofal, um elixir que prolongava a vida. Sir Rawson certamente não acreditaria em nada disso, mas negócios eram negócios. Na antiga Londres, uma empresa lhe garantia que, naquele recanto errante, poderia fazer grandes tesouros. “O cara vendeu tudo, comprou a passagem e ficou com três moedas de ouro no bolso. Ao chegar com seus orgulhosos papéis de proprietário, encontrou uma exploração inexistente. Então, nem tolo nem preguiçoso, comprou a passagem de volta para a Europa, mas antes de embarcar fundiu as moedas restantes como pepitas. Lá, ele conseguiu um comprador a quem, além de títulos e uma ampla descrição do paisagem americano dos anos 1800, entregou provas irrefutáveis”, conta Javier Carreira, e sentencia: “A ironia é que o ouro estava lá”. Uruguaio de origem, com estudos em geologia e história, Carreira chegou em Corrales há uns 15 anos, escapando do bulício citadino e fascinado pelo halo misterioso do lugar. Comprou uma propriedade rural e deu vazão ao seu ofício de guitarrista, enquanto perambulava pelas ravinas com velhos garimpeiros. Assim se tornou um garimpeiro artesanal de ouro. Segundo ele, aplicando um pouco de física, geologia e senso comum, nada pode dar errado. “Não é história: para os garimpeiros, os riachos nos recompensam. E para muitos significa uma entrada real: se dedicar umas cinco horas, pode juntar meio grama, que deve rondar os 40 dólares, um bom complemento de outras tarefas.” O território abriga, segundo ele, restos minerais de duas etapas, uma de 14 milhões de anos e outra mais recente, de quatro. “Para simplificar, ao começar o magma e fundir a areia e formar o quartzo, se misturam o ferro e o ouro, e o tempo leva tudo isso à superfície, pelos movimentos das placas da região. Depois a chuva vai lavando os campos, arrastando tudo para as ravinas. Por isso num raio de 50 quilômetros se encontra quartzo, partículas de areia, ferro, e claro… ouro”, diz. Valorizado desde os confins do tempo por ser um metal escasso na natureza, se associar à prosperidade e contar com propriedades físicas ideais para a joalheria (dúctil, brilhante, estável), ele sempre é encontrado em estado puro. Isso ocorre, segundo várias teorias, graças à sua origem: as condições extremas no núcleo colapsante das supernovas. Ou seja, então, que todo o ouro da Terra simplesmente viria de outro planeta. “Mas chega de enrolação: vamos para o nosso”, propõe. Pega sua pá e começa a despejar arenito do leito de um riacho sobre uma peneira de plástico verde. Coloca água e a embala como um bebê, e de vez em quando, a afunda para que entre mais um pequeno jorro. Gira com a direita e salpica um pouco mais com a esquerda. Aos poucos, as pedras maiores caem, a areia se lava e uns finos fios dourados começam a brilhar. Sim, o ouro está ali, diante de nós. O parque e o jardim da pousada estão impecáveis. O responsável é Julio Silva, encarregado da manutenção. Ele é mineiro, como foi seu pai e seu avô. Chegou aqui quando a empresa canadense, a última, se retirou. Não muito rápido, mas sim decidido, consegue abrir um pacote de erva brasileira e despeja um pó verde flúor um pouco intimidante. Coloca água na imensa cuia, e oferece. Pela seriedade da cena não parece apropriado recusar o enorme chimarrão, o mate gaúcho típico do Rio Grande do Sul que aqui também reina. “Há rumores sobre uma possível volta à mina. O povo está esperançoso, mas também paralisado, aguardando”. E conclui: “O pior é a espera…”. A contaminação das rochas que sobram após as extrações em grande escala, em contraste com a geração de empregos, são argumentos fortes e consideráveis de ambos os lados das mesas do restaurante. “Tem coisas que me doem mais do que outras. Sobretudo, quando um engenheiro ou empresário chega ao hotel e os vizinhos se aproximam. Querem saber o que ele sabe, se haverá trabalho”, diz Oliver fazendo uma careta, e sorri: “Estamos acostumadas a ser menosprezadas. De vez em quando nos lembramos daquele dia de 2017, por exemplo, quando veio o responsável pela empresa que alugava quase todos os quartos e nos disse: Não há mais dinheiro, na quarta-feira saímos. Foi como piscar, e passar de 100% de ocupação para 10%. Mas nós nos reinventamos para o turismo: incorporamos passeios e jogos temáticos na sala, organizamos shows, melhoramos o restaurante, lançamos promoções para grupos escolares e nos esforçamos para que a pousada seja conhecida. E aqui estamos”.
A estalagem construída sobre túneis e galerias onde se busca ouro artesanalmente
- Post publicado:4 de maio de 2025
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Alex Barsa
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