Madrid – Ángel Cappa decidiu há algum tempo que não quer mais dirigir. Ele conta que perdeu o entusiasmo por essa função tão exigente. Mas isso não o torna menos inquieto, informado, preocupado e analista da atualidade. Ele se move entre Hortaleza e Chamartín, no norte de Madrid e a poucas quadras do Santiago Bernabéu e do Café Los Barriletes, onde é frequente e recebe a LA NACIÓN. Um dia estava a duas mesas do ator Federico Luppi, a quem reconhecia o rosto, mas não teve coragem de perguntar se era ele mesmo. Quando Luppi saiu, disse “tchau, Ángel”. Além disso, conta que pela manhã lê todos os jornais para saber o que acontece no mundo, especialmente na Argentina, país que sente saudade. Para acalmar essa sensação, ele ouve Polaco Goyeneche, Mercedes Sosa e também mantém contato permanente com seus amigos. Entre outros rituais estão a leitura, a escrita, ir ao cinema, ao teatro, a eventos políticos e, é claro, assistir futebol.
– o que o cativou de Madrid para nunca mais voltar a viver no país?
– Minha esposa. O que acontece é que quando vim para cá, me casei com uma mulher madrilenha, tenho filhos madrilenhos também. Tenho um em Buenos Aires que é diretor de teatro, e outros dois aqui: um é escritor, sociólogo, e a outra é jornalista, minha filha. E uma vez que estabilizei a vida aqui, é muito difícil levar toda minha família de volta para a Argentina. Sinto muito a nostalgia, sinto muito por ter saído do país, principalmente pela força. Por isso, escolhi, e então entendi que não tinha o direito de fazer minha família passar pelo mesmo sofrimento. Estou pronto, já me integrei aqui, ainda tenho minhas raízes no ar, mas ainda estou ligado à Argentina e à Espanha. Por isso fiquei aqui.
– E o que mais você sente falta?
– O que mais sinto falta é meu bairro, Villa Mitre, mas claro, esse bairro não existe mais e as pessoas também não existem mais, como é lógico, faz 40 anos. Então o que sinto falta é minha infância, principalmente, e também sinto falta de Buenos Aires e de meus amigos, é claro. Mas sou de Bahía Blanca, uma cidade pequena, e cresci lá, então para mim Buenos Aires é uma cidade muito agressiva, muito grande. Depois, quando fui conhecido pelo futebol, as coisas se tornaram mais leves. Mas, se não fosse assim, seria uma cidade muito difícil. O que acontece é que tenho muitos amigos que estavam lá; e bem, é isso que sinto falta.
– A Argentina?
– Vejo o país muito triste. Daqui vejo com tristeza. É um país empobrecido, já vinha mal, vinha cambaleando e esse governo deu o tiro de misericórdia, o derrubou por completo. E cada vez pior. Sofro muito vendo como espancam os aposentados todas as quartas-feiras. É incrível isso. Com questões ridículas, como ter que se manifestar na calçada. Uma coisa incrível. Estão agredindo jornalistas e não entendo como os jornalistas não dizem nada. Porque muitos jornalistas foram agredidos. Agora vejo coisas na Argentina que me chamam muito a atenção. Por exemplo, o porta-voz do presidente agora obriga os jornalistas -não sei se já está em vigor- a usar paletó, gravata. Mas o que é isso? Onde está a liberdade que tanto dizem? O partido radical apresentou um projeto para aumentar a aposentadoria, quatro radicais, e depois votaram contra e celebraram com um churrasco na Casa Rosada. Existem coisas que são incríveis, mas o povo argentino sempre voltou disso. De que maneira? Olha, pergunto-me, como conseguiram no mundo todo, não apenas na Argentina, todos os direitos sociais e trabalhistas que agora estão sendo retirados? Com a luta das pessoas. Parece normal agora, mas nem sempre houve voto feminino, e as sufragistas sofreram, inclusive, a violência de seus maridos. Então o povo argentino também, lutando, saiu de muitos governos repressivos como este. Porque os governos repressivos, os governos como este, os governos que dizem ser liberais, se baseiam em dois pilares: a mentira e a repressão. A mentira permanente, com dados, a mentira para encobrir a realidade. E tudo isso aconteceu antes. E o povo, em determinado momento, estoura e as coisas mudam. Ángel Cappa tem 78 anos e deixou de treinar há 13 anos.
Após a catarse, Cappa, aos 78 anos, volta a falar de seu grande amor, o futebol. E de como, do dia para a noite, deixou sua profissão de treinador sem olhar para trás. “Eu tomei uma decisão porque havia perdido o entusiasmo. E então não se pode ser treinador em uma profissão baseada na vocação, na vontade e no entusiasmo. Se você perde o entusiasmo, é impossível trabalhar”, explica. Depois de auxiliar Jorge Valdano no Tenerife e no Real Madrid, ele partiu em carreira solo que o levou ao Las Palmas, Racing, Huracán, River e Gimnasia, entre outros, antes de encerrar sua carreira em 2012 no San Martín de Porres, no Peru.
– Foi uma questão interna ou pelo contexto?
– Eu acredito que também foi uma questão biológica. À medida que envelhecemos, perdemos entusiasmo por muitas coisas. E isso exige muito de você. Porque o menos que um treinador faz é treinar. Você precisa lidar com 25.000 problemas ao redor disso. Você precisa ser jovem e ter uma vontade enorme. E eu não tinha mais essa vontade, então acabou, cheguei ao fim. Quantos anos eu tinha? Acho que tinha 69 anos ou algo assim [na verdade, tinha 65]. Faz muito tempo. Foi uma decisão pensada e tudo acabou.
– Você assiste muito futebol?
– Não muito futebol, não. Vejo o futebol que me interessa. O futebol da Argentina não é transmitido. Eles mostram resumos de 20 minutos, resumos muito longos, mas eu assisto mesmo assim. Depois vejo o que me interessa: Arsenal, Manchester City, Bayer Leverkusen quando Xabi Alonso treinava, Real Madrid, Barcelona, Rayo Vallecano, que joga muito bem, Liverpool… Não vejo outros times porque não me importo.
– Há uma escolha estética, vamos dizer.
– Claro, uma escolha do que acredito que o futebol deve ser. O futebol não pode ser reduzido ao resultado. Não se pode reduzir o amor ao orgasmo. E o futebol é o resultado, sim, mas é mais do que o resultado. Pelo menos, fui criado nessa filosofia de futebol. Então, as equipes que buscam apenas o resultado – cada um faz o que quer e são absolutamente respeitáveis – eu não vejo.
– Você teve uma experiência semelhante com Jorge Valdano no Real Madrid, que é uma equipe que busca resultados. Como lidava com isso?
– O que acontece é que tenho uma relação especial com o Madrid. Eu estive no Real Madrid, conheço. Então o vejo um pouco como torcedor. É verdade, o Real Madrid não jogava como eu acreditava que devia jogar. Mas, também, ninguém pode falar mal de Ancelotti, que é um treinador brilhante, com uma carreira brilhante. Não sei se é por causa de Ancelotti, dos jogadores, não faço ideia. Mas é verdade que o Madrid vencia por ações individuais dos jogadores, não por seu jogo coletivo. Já o Barcelona, sim, o vejo, joga muito bem, adoro. Não julgo, mas nunca na minha vida assisti a uma corrida de Fórmula 1. Não digo que a Fórmula 1 está errada, simplesmente não me interessa. Por isso, há equipes de futebol que não me interessam, por mais que sejam campeãs do mundo todos os dias, não me importo.
É uma semana importante na história do Huracán, equipe que encantou Cappa na década de 70 e com a qual ele brilhou na campanha fugaz de 2009, em que o título escapou no confronto final com o Vélez, em meio a uma arbitragem controversa. O Globo está em busca de uma nova chance de ser campeão. E Ángel, à distância, vive com alegria e entusiasmo. “A minha afeição pelo Huracán começou em 73. Inclusive fui a Buenos Aires para assistir a alguns jogos. E aquilo era como uma injeção de alegria, de otimismo. Claro, e era o Huracán, era um time de bairro. Com três ou quatro amigos de Bahía Blanca, íamos de trem assistir ao Huracán e estávamos de volta no mesmo dia do jogo, nem ficávamos um dia em Buenos Aires”, conta, esclarecendo que não se tornou torcedor apenas depois de tê-lo treinado.
Com Elche, Espanyol e Córdoba, Cappa não deu muita sorte, mas não se arrepende. Seus feitos mais notáveis e reconhecidos foram realizados no Huracán e River Plate, times em que encantou a todos com seu estilo de jogo e visão do futebol. Ángel Cappa, um apaixonado pelo futebol e pelo jogo bonito, não tem mais vontade de treinar. A ligação com o futebol segue forte, mas agora como um observador atento, um crítico arguto e um eterno amante do esporte mais popular do mundo.