A Corte Interamericana condena o Estado argentino por “uma falta grave em seu dever de investigar” o atentado à AMIA.

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A atuação estatal impediu que as vítimas e seus familiares conhecessem a verdade sobre os eventos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado argentino por violar os direitos das vítimas do atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), que ocorreu em 18 de julho de 1994, deixando 85 mortos e mais de 300 feridos no centro de Buenos Aires. O tribunal internacional considerou que o Estado, além de participar do encobrimento dos responsáveis diretos, descumpriu seus deveres de prevenir e investigar o ataque. Com base nesses fundamentos, a corte ordenou a “remoção de todos os obstáculos que mantêm a total impunidade neste caso”. A poucos dias do 30º aniversário do incidente, ainda não se sabe quem, como e por que perpetraram o atentado mais grave da história do país.

O veredicto foi comunicado na manhã desta sexta-feira pela presidente do tribunal, Nancy Hernández López, em uma audiência virtual. Do outro lado das telas, funcionários do organismo, o secretário de Direitos Humanos argentino, Alberto Baños, e representantes da Memoria Activa, o grupo de vítimas do atentado e familiares que iniciou o processo em 1999, ouviam atentamente.

“A finalmente uma sentença reparadora”, valorizou a Memoria Activa em um comunicado. “Uma decisão que mostra que a justiça é escassa, mas existe e que trinta anos de luta desigual valeram a pena para ter pelo menos um pouco menos de impunidade”, acrescentou o grupo após a decisão do tribunal.

“A Corte destacou que houve ações deliberadas do Estado para impedir que houvesse justiça. Em particular, a intervenção dos serviços de inteligência junto com a ação de juízes e promotores”, explica Paula Litvachky, diretora do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), a organização que representou a Memoria Activa no caso. “Um dos aspectos mais importantes do veredicto é que diz que as investigações judiciais não podem funcionar em segredo. Que há um direito coletivo à verdade e que é necessário abrir os arquivos de inteligência”, acrescenta.

Sem prevenir, sem investigar

Com o voto unânime dos juízes da Corte, o veredicto começa apontando a falta de prevenção do Estado ao ataque. A ausência de investigação e punição dos responsáveis pelo atentado à Embaixada de Israel em 1992 criou uma situação de impunidade que permitiu a manutenção de uma situação de insegurança latente. O Estado conhecia um risco real e imediato nos locais identificados com a comunidade judaica e não adotou medidas razoáveis para evitar esse risco, violando assim sua obrigação de prevenção e sendo responsável pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal das vítimas do atentado.

Em seguida, a sentença detalha que na primeira fase da investigação, a cargo do juiz destituído Juan José Galeano, o Estado desviou a investigação por meio de uma série de irregularidades e abandono deliberado de algumas linhas de investigação. Na segunda fase da investigação, sob responsabilidade da Unidade Fiscal AMIA, os juízes observam falta de impulso na investigação e erros graves na manipulação de provas.

A conclusão da Corte é que o Estado incorreu em uma grave falta em seu dever de investigar um dos maiores atentados terroristas da história da região. Além disso, uma série de manobras realizadas por agentes estatais para obstruir a investigação e encobrir os verdadeiros autores, que até o momento não foram identificados, julgados e eventualmente sancionados, também foram comprovadas. A Corte destaca que as irregularidades e as dificuldades enfrentadas pelos familiares das vítimas para acessar informações sobre o caso violaram o direito à verdade.

A reparação

O veredicto do tribunal interamericano determina uma série de medidas reparatórias que a Argentina deve cumprir. Primeiramente, o Estado é ordenado a remover imediatamente todos os obstáculos e reabrir as investigações necessárias para identificar, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis pelos eventos, o encobrimento e, assim, estabelecer a verdade dos acontecimentos. Em segundo lugar, deve divulgar o veredicto, realizar um ato público de reconhecimento, um documentário audiovisual e criar um arquivo histórico acessível ao público sobre o atentado, a investigação, o encobrimento e o papel das associações de vítimas.

A sentença também ordena que o Estado regulamente a incorporação como evidência judicial de informações de inteligência e desenvolva um programa de capacitação sobre seu uso. Além disso, deve garantir acesso completo das vítimas e dos autores da ação a todas as investigações e informações relacionadas ao atentado e seu encobrimento. Por fim, a Corte determina que o Estado indenize com 50.000 dólares cada grupo de vítimas e familiares identificados no processo para reparar de forma unificada ou conjunta os danos materiais e morais sofridos.

A possibilidade de desvendar quem e por que estiveram por trás do ataque à AMIA, 30 anos depois do atentado, ainda existe? Litvachky, diretora do CELS, mantém a esperança: “Com uma procuradoria forte, mais recursos e determinação política, é possível avançar na construção de uma verdade sólida”.

Alex Barsa

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