A epidemia de motociclistas mortos nas ruas se espalha pela América Latina.

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As motocicletas inundam as ruas da América Latina. Seja em Bogotá, a capital colombiana localizada na cordilheira dos Andes; Guayaquil, o principal porto do Equador no Pacífico; ou Córdoba, a segunda cidade mais populosa da Argentina depois de Buenos Aires, é um fenômeno palpável que alertou as autoridades. O aumento dos veículos de duas rodas, práticos e econômicos, também se tornou uma espécie de epidemia de mortes nas estradas. Os motociclistas, que geralmente são homens jovens, são ao mesmo tempo vítimas e infratores, muitas vezes por excederem os limites de velocidade.

Os funcionários, especialistas e urbanistas reunidos esta semana no âmbito da iniciativa global de segurança viária de Bloomberg Philanthropies, em Nova York, compartilhavam a mesma preocupação com esse fenômeno crescente e a necessidade de melhorar a qualidade e o apelo do transporte público para enfrentá-lo. Além das diferenças locais, esse é, juntamente com os controles de velocidade, o principal desafio em termos de segurança viária, reconhecido pela organização que trabalha com 27 cidades em 15 países.

“A falta de acessibilidade do transporte público para muitas pessoas as leva a se deslocar de moto, e esse aumento gera uma carga nas vias públicas que aumenta a sinistralidade”, lamentou no evento Daniel Passerini, prefeito de Córdoba, uma cidade com quase dois milhões de habitantes onde metade das mortes nas estradas ocorrem em motocicletas. A discussão na Argentina e em outros lugares da América Latina se concentra em como melhorar o transporte público para reduzir a quantidade de motos nas cidades. “Nada é mais ilustrativo do que ir a um hospital de emergências numa segunda-feira de manhã para ver a quantidade de leitos ocupados por pessoas jovens, infelizmente, de quinta-feira até segunda-feira é quando ocorre o maior pico de acidentes”, relatou com dramaticidade.

Também em Guayaquil, como em muitos outros lugares, foi detectada uma forte migração do transporte público para as motocicletas, o que levou ao aumento dos níveis de velocidade em determinadas vias, reforçou Blanca López, vice-prefeita da cidade equatoriana com quase três milhões de habitantes. Lá eles desenvolveram mapas de calor para detectar os pontos com maior número de acidentes, principalmente de motocicletas, e com base na evidência reduziram os limites de velocidade de 70 quilômetros por hora para 50 e 30 quilômetros em algumas vias. Das 282 pessoas que morreram na cidade portuária em 2023, 44% eram motociclistas. Nove em cada dez eram homens, enfatiza López, a maioria entre 18 e 19 anos, “o que significa que nossa população jovem é a mais prejudicada pelo aumento de velocidades”.

“Todos estamos enfrentando a mesma situação”, reafirma Claudia Díaz, secretária de Mobilidade de Bogotá, a capital colombiana com mais de sete milhões de habitantes que recentemente reduziu o limite de velocidade para 50 quilômetros em toda a cidade. Ela se refere ao aumento no número de usuários de moto, às fatalidades dos motociclistas e à interação dos motociclistas em acidentes de trânsito. Em outras palavras, com muita frequência os pedestres e os ciclistas são atropelados por motociclistas. Além disso, mais da metade dos condutores de motocicletas excedem os limites de velocidade, de acordo com estudos da Universidade Johns Hopkins em conjunto com a da Los Andes de Bogotá. Dos 244 mortos nas ruas registrados em Bogotá até maio deste ano, 109 eram motociclistas.

Esses limites de velocidade não são arbitrários. Nos mesmos cenários, mas a velocidades mais baixas, as pessoas não morrem. Estudos mostram que colisões a 30 quilômetros por hora matam 10% das pessoas, enquanto a 50 quilômetros morre metade e a 60 quilômetros morre 90%. Portanto, com limites de 60 quilômetros, apenas uma em cada dez pessoas sobrevive, mas a 50 quilômetros metade sobrevive.

Nos países da América Latina e Caribe, o número de motociclistas mortos excede a média mundial. As evidências se acumulam. Em países como Colômbia, República Dominicana e Uruguai, as motos já representam mais da metade do tráfego de veículos, de acordo com um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em cidades onde a oferta de transporte público não atende à demanda, elas estão cada vez mais presentes como alternativa. Colômbia, onde representam mais de 70% da frota de veículos, talvez seja o lugar que melhor ilustra o fenômeno. Com 15,5 mortes por 100.000 habitantes, tem a pior taxa de sinistralidade viária entre os 35 países medidos pelo último relatório anual de segurança viária do International Transport Forum – ligado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Enquanto o número dessas mortes diminui em quase todos os locais medidos, na Colômbia o salto é alarmante.

Num olhar de médio prazo, os motociclistas são a única categoria de usuários de vias públicas que registrou aumento de mortes entre 2012 e 2022, em contraste com pedestres, ciclistas e motoristas (ou passageiros). “Os dados são muito preocupantes, especialmente na Colômbia, onde o número de novos registros de motocicletas aumenta constantemente”, destaca o relatório. Na Costa Rica e no Chile, as mortes de motociclistas também aumentaram em mais de 50%, mas na Colômbia o aumento foi de mais de 100% na última década.

Os incidentes nas ruas causam cerca de 1,2 milhão de mortes e 50 milhões de feridos anualmente em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar dos avanços promissores em muitas regiões, a segurança viária ainda é um problema de saúde pública urgente. Nesse contexto, a proliferação de motos é uma preocupação nas cidades latino-americanas, mas também na África, Ásia e até na Europa, aponta Étienne Krug, diretor de Determinantes Sociais da Saúde da OMS. “Durante a covid e após a crise financeira, vimos que mais e mais pessoas usam motocicletas, o que resulta em um aumento da mortalidade de motociclistas”, observa. “Medidas devem ser tomadas, informações claras, leis adequadas em termos de velocidade, álcool e direção, uso de capacete, cumprimento dessas leis, e também oferecer às pessoas outros meios de transporte eficazes e seguros”, explica. “Grande parte da resposta já temos. Precisamos estudar as especificidades das cidades e países, mas as grandes linhas já conhecemos”, conclui.

Alex Barsa

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