“Poucos sabem. O dia 3 de outubro de 1886 foi um dia incrível e histórico para o ensino público e gratuito. Cinco minutos após a hora marcada, que eram 13 horas, o Presidente da República (Julio A. Roca) partiu do palácio do governo no carruagem oficial de gala com escolta”, relatou O Monitor da Educação Comum, publicação do Conselho Nacional de Educação, para informar um evento inédito: a inauguração simultânea de 40 prédios escolares! A escola de dança foi construída na esquina de Sarmiento e Esmeralda pelo arquiteto Tamburini.
“Desde a esquina de 25 de Mayo até Callao, havia formado na calçada do lado direito um exército de crianças preciosas de ambos os sexos, todas cuidadosamente vestidas, e não poucas com verdadeiro luxo. Eram as escolas do distrito com seus mestres à frente”, continuou a crônica do surpreendente ato público que marcou um marco.
E uma das construções dessa longa lista foi construída há 140 anos na esquina de Esmeralda e Cuyo (hoje Sarmiento) inspirada por Sarmiento e projetada pelo influente arquiteto italiano Francesco Tamburini. Ambas as ruas eram calçadas, percorridas por trilhos de bonde puxado por cavalos e iluminadas por lanternas a gás, exibindo na interseção uma caixa de correio. Ao lado, pela Esmeralda, estava o primeiro Teatro San Martín, com fachada de influência mudéjar, onde havia espetáculos de dança, variedades, circo, patinação, teatro e música.
A inauguração oficial do imóvel ocorreu em outubro de 1886, porém, antes, em 1º de maio, as alunas da Escola Graduada de Meninas já desfrutavam dos recreios no pátio, e ao que parece, também havia escritórios onde Domingo Sarmiento teria trabalhado quando era superintendente das escolas.
Depois, em 1895, a Escola Normal de Professoras ocupou o prédio por quase uma década, até que em 1905 começou as atividades o curso de Línguas Vivas, estabelecendo-se até 1962 quando mudou para sua sede atual. Previamente, um desabamento prejudicou parte da propriedade. Assim, após as restaurações, chegou a vez da hoje chamada Escola Superior de Educação Artística em Danças Aída Mastrazzi, embora sua origem seja muito anterior.
A conservação teve um momento surpreendente e recente na galeria de entrada, quando um trabalhador que estava lixando o teto para pintar descobriu uma face infantil translúcida. Apareceu a imagem de um tipo de querubim ou criatura ou anjinho que era apenas um fragmento de um antigo afresco de autor desconhecido. Imediatamente, a área de patrimônio e conservação do Governo da Cidade de Buenos Aires cuidou do assunto, conseguindo restaurar o original. Quatro rostinhos inocentes aparecem em uma das três faixas quadradas pintadas com filetes, flores e pássaros de cores vivas.
Além disso, há outros belos detalhes que distinguem a estrutura, como as sólidas portas decoradas, a escultura Dança, de Mauricio Segal, e os murais de cerâmica de Schilman no hall, ou a esplêndida clarabóia que ilumina o salão de eventos.
Dada sua importância arquitetônica, considerada atualmente patrimônio arquitetônico, a construção foi uma das incluídas em um álbum de imagens apresentado na famosa Exposição Universal de Paris em 1889. Isso foi feito para mostrar “a importância dos edifícios dedicados a escolas que a Argentina possui, as comodidades que oferecem e a beleza arquitetônica dos mesmos”, descreveu o jornal La Nación em 8 de fevereiro de 1889.
Comumente citada como “La Mastrazzi”, a escola oferece anualmente uma formação multidisciplinar em dança para 700 alunos; porém, em seu âmago, há várias mudanças de nome e uma existência nômade. O ponto de partida foi a criação do Conservatório Nacional de Música, Arte Dramática e Declamação em 7 de julho de 1924, durante a presidência de Marcelo T. de Alvear.
Durante o mês de outubro, sob a direção do pianista e compositor Carlos López Buchardo, iniciaram-se as aulas, incluindo horas de aulas dedicadas a violino, harmonia e história da arte, e um ano depois, já estavam inscritos 306 alunos. Entre os professores, estavam figuras como Antonio Cunill Cabanellas, Enrique García Velloso, Joaquín de Vedia, Ernesto de la Guardia, José Gil, Athos Paiva…
Mas, como teve uma característica nômade, desdobrou seus programas no Teatro Cervantes, no Colón, em um prédio na rua Quintana 31, em outro na rua Juncal 1278, na Juncal 1174, e em Callao e Las Heras. Uma constante ida e volta até 1963.
Teimosamente avessa a fotos, resta essa imagem de Aída Mastrazzi na antiga rambla de Mar del Plata. A bailarina e professora Aída Victoria Mastrazzi deu nome à escola em 2003. Conta-se que a mestra de dança não gostava de tirar fotos, sendo tão obstinada quanto ao formar bailarinos. Apenas algumas imagens fazem parte do arquivo. Mas sabe-se que ela brandia uma bengala para reforçar suas palavras aos alunos a fim de corrigir, incentivar ou exigir, marcando os toques no chão com expressões em bom francês: grand battement, échappé, en avant ou en arrière.
Passaram pelas salas de aula professores renomados como Lida Martinoli, Leticia de la Vega, Delia Fernández, Beatriz Chaiquín, Waldo Belloso, enquanto entre os alunos estavam Julio Bocca, Karina Olmedo, Leonardo Reale, Ana María Stekelman, Norma Binaghi, Daniela Fernández e Karina K.
“Historicamente, era considerada a escola mãe do ensino em dança e era uma única carreira que terminava no professorado; mas, ao longo dos anos e após várias modificações programáticas, em função das disciplinas artísticas que abrange, surgiram várias opções em níveis médio e superior que são cursadas em diversas instituições públicas. Ou seja, se um formado na carreira de intérprete deseja o professorado em dança clássica e contemporânea, se forma diretamente no turno vespertino. No entanto, para um nível superior em folclore ou tango, deve cursar em outro estabelecimento”, explicou a diretora Mercedes Solare.
Ela também enfatizou que “outro fator que contribui é o trabalho da cooperativa, que sempre diz ‘estamos aqui’, integrando-se à comunidade educativa para apoiar nossas iniciativas”.
Um exemplo notável da sólida formação é o Ballet Institucional, composto por estudantes e recém-formados, que costuma se apresentar com produções cuidadosas em diferentes salas de espetáculos e eventos. Isso é resultado de que, juntamente com os impecáveis pisos de madeira para dançar balé clássico, contemporâneo, folclore ou tango, há muitas salas e horas para aprender música, artes plásticas, idiomas, coreografia, expressão corporal, maquiagem, improvisação, montagem, produção e teatro, entre outras capacitações.
Neste contexto, o corpo docente e a equipe de gestão liderada por Roxana Borrás (diretora), Andrea Spagarino e Mariel La Salvia (vice-diretoras), Mercedes Solare e Viviana Taccone (regentes), e Cecilia Pagano (diretora do nível superior) contribuem com sua paixão e experiência. Por sua vez, Silvana Gómez, funcionária da Direção de Educação Artística da cidade de Buenos Aires – sob o comando de Ada Risetto – destacou que “la Mastrazzi faz parte de uma dúzia de escolas alinhadas com diversas linguagens artísticas (plástica, música, teatro, dança e cerâmica)”.
Além disso, há um ensino médio focado em arte-teatro, cursos de pré-iniciação para crianças, grupos vocacionais de dança e expressão corporal para crianças, jovens e adultos que trabalham em instalações por toda a cidade com equipes de educadores experientes. Em um desses grupos (de adultos em folclore), liderado por Nancy Abalos (filha do renomado folclorista Adolfo Abalos), uma das participantes, Patricia Hoogen, ex-aluna da Escola nos anos 70, lembrou de sua formação.
“Foram fundamentais – detalhou – grandes professores como Luis Diego Pedreira, Nelly Ramicone, Arnoldo Pintos, Alicia Quereilhac de Kussrow e Olga Latour de Botas… Em minha casa, a música argentina era muito valorizada, então aprendi a dançar aos 9 anos; mas ao crescer, precisei de uma formação terciária sistemática e a tive de maneira maravilhosa e apaixonante no prédio da Esmeralda 285 em uma época em que o folclore estava no auge”, concluiu.