Após uma foto polêmica, 48 horas que moldaram o confronto entre o Ibex e Sánchez contra Milei

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Depois da tempestade de domingo, surge uma nota de dez horas da manhã de segunda-feira. O presidente dos empresários, Antonio Garamendi, concede uma entrevista na Cadena Ser. Ele busca tomar uma posição firme. “Não faz sentido. Rejeitamos categoricamente este ataque e, além disso, em nosso país”, afirma. Horas antes, durante um evento do Vox realizado ao meio-dia de domingo no Palácio de Vistalegre em Madri, o presidente argentino, Javier Milei, havia chamado Begoña Gómez, esposa de Pedro Sánchez, de “corrupta”. Uma ofensa que o governo espanhol classifica como um ataque frontal à democracia e às instituições.

Após a declaração que soa como um comunicado da CEOE, algumas empresas individuais que participaram do café da manhã e da controversa foto (totalmente masculina) com o presidente argentino no sábado entram em cena. Elas se mobilizam discretamente com os meios de comunicação para que suas declarações sejam divulgadas. “Não correspondem às relações entre dois países amigos e irmãos, nem acontecem no local ou no momento apropriado”, diz a Telefónica sobre as palavras do presidente argentino. Ela é seguida pelo Santander, BBVA, Naturgy e Iberia, entre outras.

O alto grau de mobilização, algo incomum em grandes empresas do Ibex acostumadas a evitar esse tipo de conflito e a canalizar suas posições através da patronal, sugere que no domingo à tarde houve um toque de alerta. “Tenho certeza de que houve movimentações por parte de La Moncloa. Não alcançaram a todos. Concentraram-se nas empresas onde o Estado tem presença no acionariado e, portanto, onde o governo tem máxima influência”, afirmam fontes presentes na reunião que Milei teve com as principais empresas espanholas com interesses comerciais na Argentina. O governo não apenas enfrentava a crise aberta por Milei com ascendência institucional para buscar adesão das empresas, mas também está presente em alguns conselhos de administração: onde as decisões são tomadas.

Sánchez encerrou a legislatura anterior em guerra aberta com o mundo dos negócios. Bancos e empresas de energia reclamavam dos novos impostos, mas os líderes das empresas se queixavam, especialmente nos bastidores, das críticas públicas do governo por falta de comprometimento. Ganhavam muito dinheiro e não contribuíam. O presidente do governo quis resolver isso rapidamente logo após tomar posse. Até pediu desculpa em alguns almoços discretos para alguns dos afetados. Ao mesmo tempo, ele adquiria posições na Telefónica – o Estado já detém 10% de seu capital e um assento no conselho através da SEPI – e forjava uma aliança não escrita com a CriteriaCaixa, com base na mesma visão industrial, para fortalecer os interesses nacionais em empresas como a Naturgy ou a Talgo.

Um comunicado insignificante confirmou as manobras de domingo, antes de Garamendi oficializar a posição na segunda-feira. Com ou sem aviso, o presidente da ACS, Florentino Pérez, antecipou o movimento: não há dúvidas sobre sua capacidade de antecipar a jogada. Para os registros e para aqueles que tomam nota em La Moncloa, a Abertis – na qual a ACS detém quase 50% do capital – foi a primeira empresa a se manifestar. Não é uma empresa qualquer: a Abertis controla o acesso norte de Buenos Aires, conhecido como a autopista Panamericana, e é responsável pela gestão da autopista General Paz, um eixo importante de circulação na cidade.

Ela se posicionou a favor de condenar as declarações de Milei sobre o presidente do governo e sua esposa em comunicado divulgado em sua página web no domingo 19. “Queremos manifestar nossa condenação às declarações feitas pelo presidente Milei em relação ao presidente do governo, Pedro Sánchez, e sua esposa. Esse tipo de linguagem e insultos não contribuem para a convivência em nossas sociedades e em nenhum caso deveriam fazer parte da dialética política entre dois países irmãos, com uma longa história de colaboração e defesa da democracia”, destacou a operadora de rodovias. Difícil ser mais claro.

Antes do envio desse comunicado, a própria ACS contactou as demais empresas afetadas para tentar formular uma posição em comum. De acordo com as fontes consultadas, foi proposta uma declaração conjunta como forma de criar uma barreira entre elas e o furor midiático que surgia. A Santander, Dia, Telefónica, Mapfre, Iberia, BBVA e Naturgy foram acusadas de favorecer a extrema-direita, em contrapartida à ofensiva das maiores empresas alemãs para frear o voto ultra nas eleições europeias. Era domingo à tarde e os empresários estavam fora do prumo. Todos optaram para que a CEOE liderasse a resposta aos ataques do libertário na segunda-feira, exceto a Abertis, que agiu por conta própria.

Os 15 presentes na foto

Com ou sem má consciência, as empresas tiveram que reparar um dano não intencional, o da foto. “A foto dos empresários com Milei no sábado fez muito mal em Moncloa”, afirma um alto executivo de uma empresa do Ibex. Foi interpretada como um respaldo. “A embaixada argentina nos convocou, que foi quem fez a lista, e sempre que somos chamados por um país onde temos interesses, vamos. Não se trata de apoiar ninguém, muito menos uma ideologia. Fomos solicitados, sim, a participar em alto nível”, afirmou outra das empresas presentes.

O convite para o evento de cunho econômico com Milei havia sido feito dias antes pelo embaixador argentino na Espanha, Roberto Bosch. Em La Moncloa sabiam dos detalhes, “inclusive quais empresas haviam sido chamadas e mais ou menos quem iria”, segundo uma pessoa que teve que lidar com a comprometedora reunião em sua entidade. A verdade é que nem todas as empresas convocadas tinham certeza se deveriam enviar seus presidentes ou CEO em um momento tão tenso.

As relações entre a Casa Rosada e La Moncloa já estavam tensas dias antes da viagem de Milei, devido a uma declaração do ministro espanhol Óscar Puente em um evento público, sugerindo que o presidente argentino poderia consumir algum tipo de “substância”. O governo espanhol pediu desculpas; Puente mostrou, à sua maneira, arrependimento, e tudo parecia voltar ao normal apesar do abismo ideológico que separa os governos dos dois países. No entanto, Milei veio a Madri com essa ferida aberta, além da necessidade de desviar a atenção de seus próprios problemas internos e de suas dificuldades para aprovar rapidamente a lei de desmantelamento do estado. Os empresários estavam cientes disso e alguns afirmam que se sentiram pressionados. Havia muita tensão nos bastidores.

Na sexta-feira, no dia anterior ao encontro, havia muitas dúvidas nas sedes das grandes corporações sobre o nível de representação, talvez receando uma armadilha. Não é coincidência que, na apresentação do programa econômico de Milei, conhecido como “a motosserra”, não estivessem presentes Pallete, Botín, Huertas ou Reynés, mas sim o presidente da Iberia, Marco Sansavini, e os CEO do Santander, Abertis e Dia – Héctor Grisi, José Aljaro e Martín Tolcachir, respectivamente – como os perfis mais importantes.

Diversas fontes empresariais confirmam que a foto dos presentes foi planejada e distribuída pela embaixada. Todos consideraram protocolar e lógico, “embora não tenha havido disputas por ocupar as posições da frente”, argumenta um dos fotografados. Após a crise desencadeada no domingo, fontes próximas explicam que houve troca de mensagens em que algumas empresas não foram tão conciliadoras: “Todos fomos usados”.

Na manhã seguinte, a imagem dos 15 executivos ao redor de Milei estampava a primeira página deste jornal. Para piorar, sem uma única mulher entre os presentes no evento. Publicamente, no entanto, a mensagem foi a habitual. “Participamos de um evento econômico. É um elemento de normalidade (…) e ainda mais considerando o impacto que temos no emprego, na geração de riqueza, na conectividade entre Espanha e Argentina. Pense que teremos três voos diários entre Espanha e Argentina”, justificou Marco Sansavini na segunda-feira durante o fórum econômico CREO 2024 organizado pelo Cinco Días. O executivo aproveitou o evento para rejeitar categoricamente as posições de Milei sobre o presidente do governo espanhol e sua esposa na convenção da extrema-direita europeia organizada pelo Vox em Madri. Também pediu respeito e se juntou à posição da CEOE junto com o presidente da Naturgy, Francisco Reynés. Foi nesse fórum que Sánchez pediu aos empresários uma mobilização mais firme contra a extrema-direita.

A atenção institucional dada ao mandatário do terceiro país latino-americano em termos de PIB é o mantra repetido por aqueles que concordaram em se encontrar com Milei. Muitas delas têm fortes interesses em jogo. Este é o caso da Abertis, envolvida em uma disputa de arbitragem no Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (CIADI), uma entidade do Banco Mundial, devido à perda de valor de suas concessionárias cotadas Ausol e Grupo Concesionario Oeste (GCO) diante do bloqueio de governos anteriores à atualização das tarifas. Cinco anos atrás, o prejuízo para a Abertis foi estimado em 750 milhões de dólares (692 milhões de euros), mas a espanhola pretende chegar a um acordo antes da sentença arbitral para recuperar essa quantia e o rendimento dos contratos na Argentina, vinculados à inflação.

Espanha e Argentina possuem um acordo de Promoção e Proteção Mútua de Investimentos desde 1991, ao qual a Abertis se agarra em sua defesa. Telefónica, Repsol, Aguas de Barcelona, BBVA, Naturgy e Endesa estão entre as empresas espanholas que tiveram conflitos com a Argentina nas últimas duas décadas.

O Santander é outra empresa espanhola com forte presença no país austral: emprega 8.400 trabalhadores distribuídos em 318 agências. Seu negócio argentino gerou um lucro de 386 milhões de euros em 2023 (3,5% de seus ganhos totais). A Mapfre, presente na Argentina desde 1986, fornece cobertura de seguros para 350.000 clientes em 190 escritórios, defendendo uma participação de mercado de 2,3% (o que a torna a 15ª seguradora no ranking argentino).

O Dia tem uma posição dominante no setor varejista argentino, onde atua há quase 30 anos. E a Iberia tem no país austral seu terceiro mercado em volume de passageiros na América Latina. Seu primeiro voo entre Espanha e América, em 22 de setembro de 1946, foi realizado por um avião DC-4 que partiu de Madrid-Barajas e pousou em Buenos Aires após 36 horas de viagem com escalas. Esse foi o início dos voos regulares posteriores.

A inflação descontrolada, a volatilidade da moeda ou as incertezas políticas preocupam os conselhos de administração dessas empresas, daí o interesse nas reformas que Milei promete implementar e que já foram elogiadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Para os principais executivos dessas empresas, a pergunta é: e agora? “Se nos deixarem em paz, o assunto se acalmará. O melhor exemplo é o que aconteceu com Andrés Manuel López Obrador no México. No entanto, é melhor não continuar alimentando o fogo”, destaca outro dos afetados. De fato, o presidente mexicano não hesitou em criticar a Espanha e as empresas espanholas em momentos pontuais de seu mandato, causando crises institucionais profundas. “As empresas espanholas apoiadas pelo poder político tanto da Espanha quanto do México abusaram de nosso país e de nosso povo”, chegou a declarar, apontando diretamente para a Iberdrola e a Repsol. No entanto, suas críticas não foram dirigidas à esposa do presidente do governo. Ele não entrou no terreno pessoal.

“É muito improvável que sejam tomadas medidas unilaterais entre Argentina e Espanha quando há tantos empregos em jogo, mesmo estando diante de dois gigantes”, afirmam fontes de outra empresa envolvida. Tempo e diplomacia. Pelo menos para as empresas, que foram instadas por Sánchez a mobilizar-se contra o populismo.

Alex Barsa

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