As marcas de ferramentas em um tatu gigante mostram presença humana na Argentina há 21.000 anos

  • Tempo de leitura:5 minutos de leitura

Há 21.000 anos, a ampla planície da Pampa era um local inóspito. O território que hoje ocupa o centro da Argentina, no final do Pleistoceno, era frio, árido e habitado por grandes mamíferos já extintos, como preguiças gigantes, tigres de dentes de sabre e gliptodontes, entre outros. No entanto, os cortes detectados nos ossos de um desses animais mostram que já havia humanos na região, sendo a evidência mais antiga de ocupação humana na área até o momento. A descoberta, publicada esta semana na revista Plos One, fornece novos dados sobre a população inicial da América do Sul.

O fóssil estudado é um Neoesclerocalyptus, pertencente ao grupo de mamíferos blindados chamados gliptodontes, parentes gigantes do tatu moderno que viveram nestas terras até cerca de 10.000 anos atrás. Foi encontrado em 2015 em excelente estado de conservação nas margens do rio Reconquista, perto da localidade de Merlo, na província de Buenos Aires. As marcas nos ossos do animal chamaram a atenção do paleontólogo Guillermo Jofré, pois não pareciam ter sido causadas por animais.

Essa intuição foi confirmada com análises posteriores realizadas sob a supervisão da equipe de arqueólogos e paleontólogos do Museu de La Plata. Foram identificadas 32 marcas, que não estavam distribuídas aleatoriamente, mas sim em locais onde conectam os tendões e se fixam os músculos, um padrão característico em ossos consumidos por caçadores coletores pré-históricos. “Esse padrão nos permitiu estabelecer que foram seres humanos que o utilizaram como parte de sua dieta”, informa o arqueólogo Mariano del Papa.

Os pesquisadores não sabem se os humanos caçaram o animal ou o encontraram preso perto do rio, mas sabem, pelos cortes feitos, que extrairam toda a carne possível para se alimentar. O gliptodonte encontrado “pesava cerca de 300 quilos e media 1,40 metros de comprimento por cerca de 85 centímetros de altura”, descreve o paleontólogo Martín de los Reyes, outro autor do estudo. O animal foi coberto “de forma intempestiva, possivelmente por uma tempestade de poeira”, o que facilitou sua conservação e posterior descoberta.

Os pesquisadores suspeitam que os humanos usaram ferramentas afiadas de pedra para desmembrá-lo e provavelmente tinham também algum artefato semelhante a um machado, de acordo com algumas das marcas estudadas. Essas são suposições que os cientistas esperam ver confirmadas com novas descobertas quando realizarem uma escavação sistemática do local, o que não foi possível até o momento devido à falta de fundos. A escassez de recursos econômicos também retardou toda a pesquisa, lamenta De los Reyes.

“Quando fomos ver, ficamos surpresos e impressionados, pois foi uma descoberta incrível”, relata Del Papa. Até aquele momento, se sabia da presença humana nas proximidades do rio Reconquista há 8.000 anos, mas os gliptodontes haviam se extinto 2.000 anos antes. “As coisas mudaram quando mandamos para o laboratório na França para datar e deu uma idade de 21.000 anos”, destaca este paleontólogo sobre a datação por carbono 14. “Aí a situação mudou porque representava a datação mais antiga da ocupação humana na parte mais meridional da América do Sul”, comemora.

A descoberta fornece novos dados para a discussão científica sobre a população humana nas Américas. A teoria mais difundida é que os primeiros habitantes vieram da Ásia e cruzaram para a América do Norte pelo estreito de Bering, na Sibéria, durante a última glaciação. A partir daí, se dispersaram por todo o continente, mas existem duas grandes correntes que tentam explicar como isso ocorreu. A que defende a ocupação tardia estima que a migração para o sul começou há cerca de 16.000 anos, coincidindo com o fim da última glaciação. Por outro lado, a corrente que defende a ocupação precoce, acredita que isso ocorreu muito antes. Esta última conta cada vez com mais registros, que remontam a 33.000 anos atrás, de acordo com a datação dos artefatos encontrados em uma caverna no México. Até então, as evidências mais remotas da presença humana na Argentina tinham cerca de 16.000 anos de idade, também na província de Buenos Aires, a maior da Argentina.

Alguns milhares de anos antes, quando a última glaciação ainda não havia terminado, essa área era fria, seca, com pouca vegetação e habitada por megafauna hoje extinta. “Essas pessoas de que falamos devem ter representado os primeiros habitantes, pequenos grupos de exploradores. Imaginamos poucos indivíduos percorrendo espaços muito amplos, por isso a descoberta é muito significativa”, diz Del Papa.

A pesquisa foi realizada com a contribuição de especialistas do Museu de La Plata, do Centro de Pesquisas Geológicas (CIG-UNLP-CONICET), do Instituto Pasteur de Paris, da Prefeitura de Merlo e da Fundação Azara. Os pesquisadores acreditam que futuras escavações neste sítio arqueológico permitirão revelar novos dados sobre os primeiros habitantes do extremo sul do continente americano.

Alex Barsa

Apaixonado por tecnologia, inovações e viagens. Compartilho minhas experiências, dicas e roteiros para ajudar na sua viagem. Junte-se a mim e prepare-se para se encantar com paisagens deslumbrantes, cultura vibrante e culinária deliciosa!