Atentado contra a AMIA na Argentina: 30 anos de impunidade e corrupção.

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Uma explosão terrível no centro da cidade de Buenos Aires. Em questão de segundos, a sede da Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA) se transformou em um monte de poeira e destroços, escondendo 85 mortos e mais de 300 feridos. Foi em 18 de julho de 1994 e o que se seguiu foram três décadas de impunidade para os responsáveis pelo atentado terrorista. Quem eram? Por que fizeram isso? Não se sabe. Os investigadores seguiram pistas falsas e negligenciaram outras possibilidades. Os poderes políticos locais e internacionais buscaram se beneficiar. O juiz, os promotores e agentes encarregados de desvendar a verdade foram condenados por encobri-la. E o processo judicial pelo ataque — que aponta para o Irã e o Hezbollah — continua em andamento, um ponto de interrogação aberto que não permite fechar as feridas. Nesta quinta-feira, quando se completar um novo aniversário da massacre, familiares e amigos das vítimas, juntamente com representantes da comunidade judaica, autoridades e líderes de vários setores políticos e sociais, voltarão a se manifestar em busca de justiça.

“Foi a própria atuação do Estado que impediu as vítimas e seus familiares de conhecer a verdade dos fatos”, sentenciou a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao condenar o Estado argentino por não ter investigado nem prevenido o atentado à AMIA. As advertências não faltaram: dois anos antes, em 17 de março de 1992, um ataque semelhante, também com um carro-bomba, matou 22 pessoas e feriu mais de 200 na explosão da Embaixada de Israel.

Durante a investigação inicial do atentado à AMIA, a cargo do então juiz Juan José Galeano, “o Estado usou sua própria capacidade e institucionalidade para desviar a investigação por meio de uma série de irregularidades” e “o abandono deliberado de algumas linhas de investigação”, em particular a chamada pista síria, conforme concluiu o tribunal internacional. Desde o primeiro momento, a cena do crime não foi protegida, as provas não foram coletadas ou preservadas adequadamente e operações foram feitas fora do expediente judicial. Como parte dessas manobras, e para envolver falsamente no caso um grupo de policiais, funcionários judiciais subornaram com fundos da Secretaria de Inteligência (SIDE) o traficante de carros Carlos Telleldín — que vendeu a van Renault Trafic que teria sido usada como carro-bomba.

Ao redor desses supostos implicados na conexão local, foi realizado o primeiro julgamento sobre o atentado. Terminou com todos absolvidos e revelou a trama de irregularidades que haviam sido plantadas. A partir daí, foi iniciado outro processo, focado no encobrimento e no não cumprimento de seus deveres pelos funcionários do juiz Galeano, os promotores do caso, autoridades da SIDE, policiais, representantes da comunidade judaica e até o ex-presidente Carlos Menem, já falecido. Os magistrados e os funcionários de inteligência, entre outros, foram condenados. Mas a sentença foi apelada e ainda não é definitiva.

Após o retumbante fracasso do primeiro julgamento, o Governo — na época com Néstor Kirchner no comando — criou em 2004 uma unidade especial para investigar o ataque terrorista e nomeou o promotor Alberto Nisman para liderar a equipe. Seu parecer, divulgado em 2006 e baseado em relatórios de inteligência argentinos, israelenses e americanos, considerou que o atentado foi executado pela organização libanesa Hezbollah, a mando das mais altas autoridades da República Islâmica do Irã, em retaliação à suspensão de compromissos virtuais de fornecimento de tecnologia nuclear a esse país. Nisman pediu a prisão de oito ex-funcionários iranianos, incluindo o ex-presidente Ali Akbar Hachemí Rafsanyaní, que faleceu em 2017.

O Irã rejeitou as acusações. As prisões e extradições nunca se concretizaram e o julgamento não avançou. Com o intuito declarado de superar esse obstáculo e poder indiciar os acusados em seu país, em 2013 o Governo de Cristina Kirchner assinou um memorando de entendimento com o Irã. Esse acordo, que jamais entrou em vigor, desencadeou uma nova polêmica e outro processo judicial em andamento. O promotor Nisman denunciou que se tratava de um plano para encobrir os iranianos e acusou a então presidente e outros funcionários de traição à pátria. Em janeiro de 2015, horas antes de apresentar sua denúncia ao Congresso, Nisman apareceu morto em seu apartamento, vítima de um aparente suicídio. Após dois laudos periciais contraditórios, o caso está sendo investigado judicialmente como homicídio e, quase 10 anos após o ocorrido, continua aberto e sem resultados. Assim como o caso do atentado à AMIA.

Atualmente sob a liderança do promotor Sebastián Basso, a Unidade Fiscal AMIA sustenta a hipótese da responsabilidade do Hezbollah e do Irã. Enquanto os pedidos de prisão de cidadãos iranianos permanecem em vigor, Basso solicitou a detenção internacional de quatro libaneses que, há 30 anos, estavam em Ciudad del Este — ponto crucial da tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai —, onde teriam integrado uma célula do Hezbollah e sido cúmplices de Salman El Reda ou Salman Raouf Salman, apontado como possível coordenador do ataque. Enquanto busca acesso aos arquivos classificados da SIDE, o Ministério Público busca avançar onde for possível. O próximo passo é que um desses libaneses, Faruk Omairi, seja julgado no próximo ano no Brasil, país do qual também é cidadão.

Nesse contexto, e em consonância com o 30º aniversário do atentado, o Governo de Javier Milei apresentou um projeto no Congresso para permitir julgamentos à revelia de acusados por crimes de lesa humanidade ou terrorismo. “A regulamentação atual do processo penal não permite chegar a uma decisão definitiva se o acusado estiver ausente. Isso é particularmente problemático em casos de graves violações aos direitos humanos diante dos quais a sociedade tem um interesse legítimo e inalienável em conhecer a verdade”, afirmam os fundamentos do projeto.

Milei participará do ato oficial em memória às vítimas do atentado, nesta quinta-feira, às 9h30. Também estarão presentes os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Paraguai, Santiago Peña. Está previsto que os discursos sejam proferidos pelo presidente da AMIA, Amos Linetzky, e familiares das vítimas. “Não temos sequer o consolo da justiça, não há sequer uma pessoa respondendo por esses crimes de lesa humanidade”, lamentou Linetzky esta terça-feira.

Além das atividades oficiais, diversas organizações de familiares de vítimas também se manifestarão. Os membros da Memória Ativa se reunirão em frente ao Palácio da Justiça, no centro de Buenos Aires, também na quinta-feira, às 9h30. “Passaram-se 30 anos e não conseguimos nenhuma verdade sobre o atentado, é muito doloroso e frustrante. Tudo o que temos é a mais absoluta impunidade”, diz Diana Wassner, membro dessa organização. “Pessoalmente, já não tenho esperança. Tudo foi tão manipulado por todos os governos que é absurdo pensar que veremos os responsáveis sendo punidos”, acrescenta Wassner, cujo marido, o arquiteto Andrés Malamud, de 37 anos, foi uma das vítimas do ataque terrorista. Ela também não acredita que um julgamento à revelia possa contribuir em algo: “O problema não são os instrumentos judiciais, mas a investigação que não foi feita desde o primeiro momento. As provas que temos são relatórios de inteligência, que não são válidos judicialmente”.

Outra organização, a Associação pelo Esclarecimento da Massacre Impune da AMIA (Apemia), convoca para quinta-feira, às seis da tarde, o encontro Abrir os arquivos do Estado para acabar com o pacto de impunidade. Precisamente, uma das demandas dessa entidade é “a abertura irrestrita dos arquivos de inteligência” e a criação de uma comissão investigativa independente para analisá-los. “Todos os governos ao longo desses anos fizeram de tudo para nos negar a verdade”, diz Laura Ginsberg, integrante da Apemia. “Uma história oficial foi construída com base nos serviços de inteligência estrangeiros, o que não pode ser comprovado com provas. Nossa hipótese é que a responsabilidade é do Estado argentino e que o crime da AMIA foi resultado de uma grande operação de inteligência”, acrescenta Ginsberg. Uma das 85 vítimas fatais do ataque foi seu companheiro, José Enrique Ginsberg. Tinha 43 anos.

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Alex Barsa

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