Há figuras que preenchem uma sala, mesmo quando não estão presentes. É o que acontece nesta quinta-feira com o presidente da Argentina, Javier Milei, que é o foco da maioria dos debates na sessão de controle do Governo de Isabel Díaz Ayuso na Assembleia regional. Como se sentisse que algo lhe está sendo tirado, a porta-voz do Vox, Rocío Monasterio, alerta a presidente de Madrid sobre a recepção que oferecerá na sexta-feira ao líder sul-americano: “Se Milei descobrir que o gasto público aumentou e que paga aos meios de comunicação subsidiados, ele entrará em Sol com uma motosserra”. Juan Lobato, líder do PSOE de Madrid, repreende Ayuso por conceder uma medalha a Milei. “Não o faz em meu nome nem no de milhões de madrilenos que acreditam no respeito e na boa política, o oposto do que Milei e vocês fazem, que é ódio constante!”, exclama. E a baronesa conservadora ouve tudo sorridente e feliz, sem charuto, mas igual a Hannibal Smith prestes a dizer “adoro quando os planos dão certo” em um episódio do Esquadrão Classe A, porque acabou de dar mais um passo em sua estratégia de ocupar a agenda política nacional e absorver os eleitores do Vox.
“Milei vai visitar o chanceler Scholz no sábado. Isso soa familiar? Ele é socialista. Está na extrema direita?”, começa Ayuso, embora não haja um encontro bilateral entre o líder alemão e o argentino, precisamente porque um porta-voz do governo alemão criticou as repetidas referências do líder argentino ao presidente da Espanha, Pedro Sánchez. “Se o presidente da Argentina faz visitas institucionais a governos diferentes e não o faz com aquele que causou uma crise diplomática e insulta constantemente, não apenas Milei, mas todos os governos que não são do seu partido… não é culpa nossa”, acrescenta a presidente de Madrid sobre o conflito aberto porque Milei se referiu à esposa de Sánchez como uma “corrupta”, ou porque o definiu como um “socialista arrogante”.
E então Ayuso, que em ocasiões anteriores opinou que o ministro dos Transportes, Óscar Puente, foi quem abriu o melão das críticas cruzadas, remata: “Para nós é uma honra receber o presidente legítimo, ele sim, eleito por ampla maioria nas urnas pelo povo”.
Não importam os insultos anteriores de Milei a Sánchez, que apenas 72 horas antes de aterrissar em Madrid declarou nesta terça-feira: “O covarde enviou todos os seus ministros para me insultar”. “Quem é o covarde?”, perguntou o entrevistador. “Sánchez”, respondeu. Não importa que a ministra da Saúde, Mónica García, opine nesta quinta-feira que o encontro mostra “deslealdade institucional” por parte de Ayuso. E muito menos que Lobato lhe faça o mesmo nesta quinta-feira no Parlamento regional. A presidente de Madrid tem claro que a visita de Milei é uma oportunidade para propagar seu discurso contra Sánchez, e age em conformidade.
“Temos um governo que nos insulta, difama a partir de viagens ao exterior, permite que a Espanha e o Rei sejam constantemente insultados, e vocês se calam, com seus aliados e meio governo insultando o Rei de todos”, diz. “De que lealdades e instituições vocês estão falando?”, pergunta olhando para Lobato. “Que trazem imigrantes para distribuir favores e os tratam como fardos!”, queixa-se. E remata: “Deslealdade é o que vocês fazem todos os dias”.
Portanto, nada na recepção é casual. A chegada de Milei não é apenas uma nova oportunidade para confrontar Sánchez. Presente na convenção ultra promovida pelo Vox em Madrid em maio, conceder-lhe uma medalha autonómica em meio ao seu conflito com Sánchez (o que Ayuso justifica porque a Espanha “é um país fortemente descentralizado”), é um chamariz para os eleitores do partido de extrema direita, aos quais a baronesa vem tentando atrair há anos. E não tem sido tarefa fácil.
Para surpresa de muitos estrategistas da política madrilena, o Vox resistiu ao primeiro tsunami Ayuso: subiu em votos e assentos entre as eleições de 2019 e 2021. O primeiro sinal de fraqueza veio na primavera de 2023: o Vox não apenas perdeu representação nas eleições autonómicas daquele ano, mas deixou de ser decisivo para as políticas do governo da baronesa. Um momento de fraqueza que Ayuso tenta explorar com afinco desde então. Ela fez isso novamente nesta quinta-feira, quando acusou Monasterio de “mentir” e duvidou da utilidade de seu partido. Uma mensagem que ela já transmitiu com toda a contundência na semana passada.
“Não sei qual é a finalidade do Vox, não sei por que estão aí”, disse Ayuso no plenário anterior. “Com tudo o que está acontecendo na Espanha, com o momento que estamos vivendo, essa campanha comprovada, contínua, contra nós… de que serve? Serve para vocês de alguma coisa?”. Sete dias depois, a essa acusação se une o fato de um dos grandes símbolos do Vox, Milei, se aproximar de Ayuso numa visita institucional: um verdadeiro golpe no partido ultra.
Inscreva-se em nossa newsletter sobre Madrid, que é publicada todas as terças e sextas-feiras.
Inscreva-se para continuar lendo. Leia sem limites.