Acontece algo especial sempre que Maxi Longo cruza a porta do Iberia, o segundo bar mais antigo de Buenos Aires. “Quando você entra, há dois mármores desgastados: um diz ‘La Toja’, que foi o primeiro nome, e o outro diz ‘Iberia’. Eu imediatamente penso nas milhares de pessoas que passaram por esta entrada, com seus sonhos, suas histórias, suas discussões, sua cultura… É um peso que se sente e que vale a pena manter”, reflete, enquanto se acomoda em uma das mesas do local. A atmosfera possui um aroma nostálgico: o ar cheira a história, resistência e a uma nova oportunidade.
Localizado na esquina da Avenida de Mayo com a Salta, o Iberia havia fechado suas portas em março de 2020, durante a pandemia e o isolamento social obrigatório. Por mais de quatro anos, a “Esquina da Hispanidade” permaneceu em silêncio, com suas persianas abaixadas e um calendário parado no tempo. Mas em junho deste ano, Longo cruzou aquela porta pela primeira vez, convocado para uma reunião com o proprietário do local. “Quando entrei, fiquei chocado ao encontrar um bar que estava exatamente como no momento em que havia fechado, quatro anos atrás. Foi como se o tempo tivesse congelado.”
A história de Longo é singular. Depois de duas décadas no mundo corporativo e em franquias como Bonafide e Atalaya, ele decidiu deixar sua vida no Chile para se reunir com seus filhos em Buenos Aires. “Aos 40 anos, percebi que não era isso que eu queria. Disse ‘chega’. Sempre gostei de história, e a Avenida de Mayo possui muito peso. Tem uma mística incrível.” Junto com dois amigos, também ex-executivos, ele decidiu embarcar em uma nova aventura: recuperar o esplendor do Iberia, um bar que testemunhou guerras, poesias e encontros marcantes.
Fundado em 1897 sob o nome de “La Toja”, o Iberia foi muito mais que um simples café. Durante a Guerra Civil Espanhola, tornou-se um refúgio e resistência dos republicanos, enquanto do outro lado da rua, o Bar Español congregava os franquistas. Em suas mesas, ocorreram discussões apaixonadas e batalhas simbólicas, com a chegada de notícias da Europa. Federico García Lorca foi um de seus ilustres visitantes; durante os seis meses em que viveu em Buenos Aires no Hotel Castelar, localizado em frente ao Iberia, ele encontrou no bar um lugar para almoçar e escrever.
Longo e seus sócios entenderam que a alma do Iberia estava em sua história. A restauração, que durou seis meses, procurou honrar essa memória. A fachada manteve suas placas comemorativas e ganhou vasos com malvones vermelhos. No interior, o bege das paredes deu lugar a um vermelho espanhol profundo, enquanto um mural monumental da “Segunda República Espanhola” domina uma das paredes. Lamparinas vindas da península iluminam o balcão, e vasos com oliveiras, limoeiros e alecrim completam um ambiente que respira hispanidade em cada canto.
A proposta gastronômica também é revolucionária: quinze variedades de tortillas de batata, cada uma numerada e com combinações que vão desde a clássica sem cebola até opções como “Cheese Burger”, “Recheada de milanesa” e “Tucumana”. “Queremos que o Iberia se torne a esquina da tortilla de batata em Buenos Aires”, afirma Longo. As tortillas, de meio quilo e um quilo, são uma homenagem culinária à diversidade e abundância. “Todas têm cinco centímetros de altura. Uma tortilla de um quilo possui oito ovos e pode alimentar quatro pessoas”, explica.
O caminho não foi isento de obstáculos. Durante a restauração, na noite da votação da Lei Bases no Congresso, o local sofreu danos que alcançaram 12 milhões de pesos. Mas Longo e sua equipe persistiram. “Era preciso restaurá-lo, é o segundo bar mais antigo depois do Tortoni. Quisemos recuperar sua história ligada à questão republicana. Embora sejamos apolíticos, decidimos trazer de volta essa parte histórica.”
A reabertura também trouxe consigo histórias emocionantes. Netos de antigos clientes têm visitado o local para compartilhar anedotas. Uma mulher chegou com uma carta do Iberia do final dos anos quarenta, enquanto outras pessoas se emocionaram ao encontrar a bandeira republicana. No entanto, nem todos os encontros foram pacíficos: “Dois indivíduos vieram e, ao ver a bandeira da República, ficaram zangados e foram embora. Esta esquina possui uma grande importância histórica, e não consigo acreditar que tenha permanecido fechada por tanto tempo.”
Hoje, o Iberia volta a ser um espaço de debate, como diz seu slogan: “Tragamos o debate para a mesa”. Suas mesas, que um dia foram testemunhas das reflexões de antigos militantes republicanos, agora recebem uma nova geração de comensais que procuram sabores autênticos e um toque de história. “Através da gastronomia, queremos recuperar essa hispanidade. E é por isso que a tortilla.”
Para Longo, recuperar o Iberia é uma espécie de homenagem à memória e uma ponte entre o passado e o presente: “Existem muitas histórias. Esta esquina é um testemunho vivo do que fomos e do que podemos ser.”
E assim, na esquina da Avenida de Mayo com a Salta, o Iberia volta a pulsar. Com sua proposta renovada e seu espírito intacto, o bar convida a cruzar novamente suas portas e a se deixar envolver pelo aroma de tortillas recém-feitas e pelo eco das vozes que um dia debateram, amaram e sonharam em suas mesas.