É comum considerá-la uma cidade de passagem para outros atrativos famosos do país. Mas a verdade é que Lima é um destino em si mesmo, com bairros para explorar, ruínas milenares, delícias únicas, joias arquitetônicas, museus de arte, arqueologia e história e atividades na natureza. Além de ser o ponto de parada perfeito para Machu Picchu ou praias do norte e ter ganhado – muito merecidamente – a fama de polo gastronômico, Lima é uma cidade que vale a pena dedicar alguns dias exclusivamente. Durante muito tempo chamaram-na de “a horrível”. Possivelmente por causa do céu cinzento que nunca se digna a se abrir e chover, o forte cheiro de iodo e o trânsito infernal de uma cidade com dez milhões de habitantes. No entanto, nos últimos anos, a beleza limeña surgiu entre o caos e a escuridão. Hoje a cidade está reconquistando o esplendor ao qual estava acostumada quando era o centro do grande Império Inca e, mais tarde, um poderoso e antigo vice-reinado, sede principal do catolicismo na América Latina. Sua gastronomia transformou a cidade em um paraíso para paladares exigentes, mas não é seu único atrativo. Com sua premiada gastronomia, o impulso de novas propostas turísticas e o plano de valorização de sua arquitetura, Lima clama para ser vista com outros olhos. Mesmo sendo a única capital da América do Sul com vista para o mar, durante muito tempo ela virou as costas para esse mar intenso e bravo. Isso mudou com o desenvolvimento de um calçadão que vai de San Isidro até Miraflores. A Costa Verde de Lima estendeu seu percurso, um passeio público que busca explorar as possibilidades da proximidade com o mar. A partir desta nova Costa Verde é possível apreciar o Pacífico à distância, pois os penhascos separam as construções da costa. As velas cortam o céu em parapentes e as pranchas de surfe serpenteiam sobre as ondas. Não são praias para banhistas nem há areia para tomar sol; no entanto, a influência marítima está presente no estilo de vida limeño. Especialmente nos sabores desses peixes fresquíssimos que são retirados dessas águas, onde a corrente gelada de Humboldt encontra a quente de El Niño produzindo alimento superpoderoso para as 850 espécies marinhas que convivem. O Callao é um dos marcos da costa limeña, um bairro portuário a 15 km do centro. Dizem que, olhando do litoral para o mar, seria preciso imaginar uma cidade imensa que afundou. As ondas gigantes que, após um forte terremoto, cobriram tudo quase à meia-noite de 28 de outubro de 1946 são um grande estigma nessa localidade. As Ilhas Palomino estão em uma área de Reserva Natural com proteção da fauna marinha. Embarcamos em barcos para navegar no Pacífico em direção às Ilhas Palomino, um grupo de pequenos ilhéus praticamente inabitados. Passamos pela Ilha El Frontón, conhecida por ter sido uma penitenciária de alta segurança onde, em 1986, durante o governo de Alan García, ocorreu o motim dos presos do Sendero Luminoso que resultou no maior massacre da história. Também pela Ilha San Lorenzo, onde está localizada uma base naval e a casa de veraneio presidencial, completamente isolada. Entre as gaivotas vemos piqueros, pelicanos e zarcillos. A maré está calma, nos balançamos gentilmente, embora às vezes tudo se agite e pulamos. Depois de 40 minutos chegamos ao coração da Reserva Natural Sistema de Ilhas, Ilhotas e Pontas Guaneras, que é o habitat natural para mais de 5.000 leões marinhos e pinguins de Humboldt. As excursões são feitas duas vezes por dia, consistem em um passeio aquático guiado e a oportunidade de mergulhar para nadar com os leões marinhos. Estamos com nossas roupas de neoprene e coletes, não usamos nadadeiras ou máscaras de mergulho. “A água está fria”, nos alertam. Saltamos no mar e não está frio, está gelado! É um momento em que parece que o coração vai parar e as pernas não conseguirão mais se mover. Mas o neoprene funciona e logo a única coisa que impacta fortemente os sentidos é o cheiro insuportável que surge quando o vento sopra da rocha impregnada com guano – o excremento que é um grande fertilizante e é comercializado. Mas passa, nos acostumamos. O que não podemos nos acostumar é com a sensação que essas dezenas de leões marinhos nos causam ao nos receber com a alegria das crianças em um jardim de infância. Adrenalina, emoção. Com seus pelos brilhantes e suas facetas simpáticas, eles vêm em bandos, apressados como se quisessem dar um abraço caloroso. É uma festa de gritos e batidas de asas. Na margem, imponente, um leão marinho de juba imensa observa a cena com indiferença. A população de leões marinhos nesta área é de 5.000 exemplares. É proibido tocar nos animais, nos alertou o guardião da fauna. Mas isso não significa que não podemos entrar em contato com eles. Devemos permitir que eles nos toquem. Eles nos encorajam a levantar os pés e flutuar. Este é o sinal para que eles cheguem para cheirar nossos dedos, fazer cócegas com seus bigodes e morder. Embora o façam com ternura e não corramos perigo, sentir os dentes na pele é intimidante, até que fiquemos confortáveis. Estes leões marinhos não atacam, “são dóceis porque vivem sem predadores e são bem cuidados”, asseguram. “Estamos em uma área de biodiversidade protegida”, lembram. São poucos os lugares do mundo onde é possível interagir com os leões marinhos em seu habitat natural. Nadar com leões marinhos é uma experiência que se pratica em poucos lugares do mundo – um deles é Puerto Madryn, Chubut, Argentina – e oferece um encontro único com a vida selvagem. Visitar o centro de Lima é entrar em um capítulo da história muito diferente do que se conhece em Machu Picchu. A capital peruana é puro vestígio do colonialismo. E, ao contrário do que trouxe o olhar crítico das conquistas europeias, aqui a narrativa nacional se apropria do vice-reinado – um dos mais antigos – sem nenhum prurido. Se seria estranho encontrar em Buenos Aires uma homenagem ao Virrey Cisneros, em Lima é muito natural tratar o conquistador espanhol Francisco Pizarro como um herói peruano. Foi ele quem, ao derrubar o inca Atahualpa, fundou Lima em 1535. A cidade sofreu vários terremotos e foi reconstruída várias vezes sem perder sua essência. Hoje, a arquitetura limeña conserva gestos de suas épocas passadas em convivência com o presente. Os restos de Pizarro estão em um mausoléu suntuoso de prata, ouro e bronze construído em uma das capelas da Basílica Catedral de Lima. Também é possível visitar a catacumba onde está seu crânio, que foi violentamente golpeado por seus opositores até tirar-lhe a vida, em 1541. Esta catedral foi reconstruída três vezes desde sua inauguração, que coincide com a fundação de Lima, em 1535. Todas elas devido aos danos causados pelos terremotos: em 1687, 1746 e 1940. Entre essas intervenções necessárias e a expansão da Igreja Católica, ela passou de ser um pequeno templo a ser uma grande catedral de estilo renascentista e neoclássico. Os balcões de madeira são uma característica distintiva da zona colonial de Lima. Atualmente conta com colunas antissísmicas. O altar-mor é de prata e ouro. Possui capelas barrocas com madeiras de Nicarágua e Paraná. A Igreja de Lima era a mais poderosa da América Latina, jurisdição que abrangia da Nicarágua à Patagônia. A Catedral, seu emblema, domina a Plaza de Armas junto ao Palácio Municipal de Lima, o Palácio do Governo do Peru, o Palácio Arquiepiscopal e o Clube União. Antigamente, ali eram realizadas touradas, feiras de troca e até execuções na era da Inquisição. À noite, iluminada, a praça ganha um charme extra. A poucos passos dali está a construção mais antiga da cidade: a Casa do Ouvidor, assim chamada porque abrigava os juízes que ouviam os pedidos e queixas do povo. Construída nos séculos XVI e XVII, a maior riqueza é seu balcão: um daqueles fechamentos que se destacam e parecem pequenas caixas de madeira esculpida; são construções feitas tanto na época vice-real como na República. Na década de 1970, um árduo trabalho de restauração e valorização foi iniciado em Lima. A Unesco declarou o centro histórico Patrimônio da Humanidade. Entre os tesouros arquitetônicos coloniais, a Casa de Aliaga lidera a lista. É uma mansão construída em 1536 e reconstruída em 1746 após o terremoto. Possui dezoito ambientes que ainda são habitados pelos descendentes do capitão segoviano Jerónimo de Aliaga y Ramírez, que recebeu este terreno como presente do próprio Francisco Pizarro em agradecimento por seu apoio nas batalhas. Os salões são conservados conforme eram em seus anos de uso familiar e social. Um dos pátios abriga o que se orgulha de ser o ficus mais antigo da América Latina, uma árvore gigante de 200 anos. Nos quartos, o mobiliário original se distribui e são exibidas pinturas limeñas e cuzqueñas. Há azulejos do século XVII pintados à mão. Há tapetes franceses e jarras japonesas policromadas. Na sala dourada, enormes espelhos talhados e retratos de época. A espetacular estufa de bronze que é exibida recebeu um prêmio na exposição universal de Paris de 1889. Outro local de visita obrigatória é o Convento de Santo Domingo. Foi a sede da universidade por duas décadas – a mais antiga da América Latina -, já que a formação acadêmica era uma garantia da continuidade da ordem colonial e do clero católico. Foi, inclusive, um local relevante da vida institucional do país. Na sala de entrada, sob um impressionante teto de três mil peças de madeira sul-americana, foi entoado pela primeira vez o hino nacional peruano. O edifício conserva o claustro quadrado, com altares em cada esquina e azulejos de 1606 nas paredes, com motivos botânicos. Além disso, se destaca por suas fontes e seu colorido jardim. O convento também é relevante por homenagear três importantes santos – membros da ordem – que são os mais representativos do Peru: Santa Rosa de Lima, São Martín de Porres e São João Macias, contempoâneos do século XVI. Filho de uma mãe africana, Juan Martín de Porres Velázquez foi o primeiro santo de ascendência negra e ganhou destaque em sua ajuda às pessoas de baixa renda. Ele foi chamado o santo da vassoura por sua humilde capacidade de serviço e caridade. Foi canonizado em 1962; 3 de novembro é o dia em que se comemora. São João Macias é o único do trio que não é peruano. De origem espanhola, ele veio para evangelizar e é creditado com o milagre de ter conseguido, por meio de sua oração, manter o convento de pé durante um forte terremoto. É impressionante entrar na sala onde uma vitrine, sob grandes retratos deles, contém uma reconstrução de cada um de seus rostos feita com impressão 3D. Sem dúvida, o mais importante é Santa Rosa de Lima, com sua beleza avassaladora e sua história carregada de significado. Isabel Flores de Oliva – canonizada em 1671 – foi a padroeira da América Latina e das Filipinas, ela curava os doentes e animais. Ela não era freira, mas se incorporou à ordem dominicana como terciária, o que lhe deu o direito ao seu sepultamento no convento, além de sua expressa decisão citada na cripta – “Eu doo meu corpo aos meus irmãos dominicanos” – onde seus restos descansam em uma caixa de vidro e também estão os de seus pais. Da capela em sua homenagem no convento sai, a cada 30 de agosto, uma procissão massiva. De fato, o que conhecemos como tempestade de Santa Rosa é precisamente a data comemorativa desta santa. O convento de Santo Domingo tem o campanário mais alto de Lima e de lá é possível apreciar toda a cidade. Durante esse dia, costumam se aproximar milhares de peregrinos que percorrem o local onde ela viveu e fazia suas curas, na Avenida Tacna. Este santuário possui um jardim onde está o poço dos desejos, onde os devotos e turistas depositam cartas com suas súplicas e gratidões. Outro ponto de devoção é o Mosteiro de Santa Rosa de Lima, em frente à Plaza Castañeta, onde passou o final de sua vida, assediada pela tuberculose e pelas consequências de jejuns extremos e autoflagelações constantes. Dizem que seu corpo emanava o aroma das rosas. Lima está construída sobre santuários, por isso está repleta de restos arqueológicos. É possível encontrar huacas – como são chamados esses centros cerimoniais – por toda parte: há 350 espalhadas por toda a cidade. A pirâmide central da Huaca Pucllana tem forma trapezoidal e é construída com tijolos de adobe encaixados. São peças ocas para evitar desmoronamentos em caso de terremoto. A principal é a Huaca Pucllana. Ele ocupa seis das dezoito hectares que chegou a se expandir e em 1983 um grupo de cientistas trabalhou cuidadosamente nele para que hoje possa ser visitado. Os importantes achados são exibidos em seu Museu de Sítio: instrumentos musicais como quenas e antaras, potes pintados que eram ofertas, ferramentas para fiar e figuras do Deus que era representado com um tubarão. Também foram encontrados restos de mulheres sacrificadas. A huaca pode ser visitada tanto de dia – quando é possível subir na pirâmide – quanto à noite, uma tentadora oportunidade de jantar, muito saboroso, em seu restaurante, com vista para as ruínas. Pachacamac era o ponto de chegada do Qhapaq Ñan: a peregrinação pelo território de todo o continente que levava o culto ao Deus da Terra “quieta”. A uma hora de carro está Pachacamac e seu museu. O interessante deste centro arqueológico é que reúne vestígios de culturas diferentes que foram dominantes em épocas diferentes: a Cultura Lima (200 a 600), o Império Wari (700 a 1100) e a Cultura Ychma (1100 a 1470), além de vários tesouros incas. O dado: aos domingos, é possível percorrer de bicicleta gratuitamente. Pacha significa terra e Camac se refere a tremor. Esse Deus, com um único movimento de cabeça, agitava o solo, era o principal oráculo e a ele se suplicava estabilidade. O museu de Pachacamac explica didaticamente a história do Qhapaq Ñan e o significado das descobertas das diferentes culturas. É um santuário que ao longo de 450 hectares percorre a planície desértica, o vale fértil e o mar com vários templos que foram preservados e restaurados. Faz parte do que foi chamado de Qhapaq Ñan – ou Caminho Principal Andino -, uma rota de peregrinação pelo que hoje é Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Esta rede funcionou para os incas como um meio de difus
Eles a chamavam de “a horrível”, tinha má reputação e hoje é uma cidade ímã que atrai turistas de todo o mundo
- Post publicado:31 de março de 2025
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Alex Barsa
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