Um levantamento realizado na cidade coloca em números “pela primeira vez” três práticas de risco devido ao seu potencial aditivo – consumo digital, de substâncias e apostas online – em sua população jovem e adulta que estão diretamente associadas também a problemas sociais cotidianos, seja nas famílias, entre vizinhos ou na via pública. O estudo foi realizado pelo Observatório da Dívida Social Argentina (ODSA) e o Ministério do Desenvolvimento Humano e Habitação local e acabou de ser apresentado.
Os resultados indicam, por exemplo, que apenas um em cada dez portenhos entre 18 e 30 anos utiliza o celular sem risco de cair em um uso viciante de telas, com 40% apresentando alto risco. 8,4% dos residentes entre 18 e 75 anos experimentaram apostas online, número que sobe para 16% entre os de 18 e 29 anos. A maioria prefere fazê-lo sozinha, seja por diversão, para ganhar dinheiro, curiosidade, por influência de amigos ou para pagar dívidas, um motivo de aposta mais comum entre as mulheres do que entre os homens.
Ao investigar o consumo de substâncias – desde tabaco e álcool até drogas e medicamentos sem prescrição médica ou seu consumo polimedicamentoso – 22% fumaram no último mês. A percepção social portenha é de que o cigarro comum é mais prejudicial à saúde do que o eletrônico, mesmo sem evidências concretas. 12% consumiram maconha no último mês e 1,7% cocaína, médias que aumentam entre os 18 e 30 anos juntamente com a perda progressiva da percepção do risco conforme a idade diminui. 3% costuma consumir outras substâncias, como alucinógenos, ecstasy, inalantes, ketamina ou tusi, fato que diminui com o menor poder aquisitivo.
Para oito em cada 10 portenhos, o consumo de ansiolíticos, antidepressivos e opioides analgésicos sem prescrição médica representa um risco moderado ou alto para a saúde. Mesmo assim, 6,9% reconhecem ter utilizado tranquilizantes sem recomendação profissional no último ano, enquanto 2% recorreram a estimulantes ou antidepressivos e 1,1% a medicamentos para dor com venda controlada. Esses valores não variam muito entre jovens, adultos e idosos ou por níveis de renda, exceto pelo consumo de ansiolíticos, que aumenta para quase 12% entre os maiores de 60 anos.
“Pela primeira vez, temos um diagnóstico sério, profundo e representativo sobre as práticas de risco aditivo na cidade. Agora sabemos mais e melhor o que acontece em cada comuna, em cada faixa etária, em cada realidade social. E isso nos permite desenvolver políticas públicas baseadas em evidências concretas, não em intuições ou boas intenções”, afirmou Gabriel Mraida, Ministro do Desenvolvimento Humano e Habitação de Buenos Aires, antes da apresentação dos resultados da Pesquisa sobre Práticas de Risco Aditivo (EPRA).
A apresentação aconteceu esta tarde, em um dos auditórios da Universidade Católica Argentina (UCA) em Puerto Madero e foi conduzida por Solange Rodríguez Espínola, coordenadora do estudo pelo ODSA-UCA, e Agustina Márquez, coautora do relatório e gerente do Observatório de Desenvolvimento Humano do governo portenho. O objetivo da EPRA é contar com evidências científicas dos problemas sociais associados a comportamentos que afetam a vida cotidiana, incluindo a violência.
O time de pesquisadores detalha os dados por comuna a partir de uma amostra representativa de pessoas entre 18 e 75 anos que vivem na cidade. 6000 pessoas responderam em dezembro passado, 400 por comuna, para “produzir informações atualizadas sobre a magnitude dos consumos e práticas de risco de adição.”
Em entrevista para este veículo, Agustina Paternó, pesquisadora do ODSA-UCA e também coautora do relatório, destacou a importância dos dados obtidos que “dão um panorama da situação para agir conforme com políticas públicas. Saber quem, onde ou por que facilita o estabelecimento de estratégias de prevenção. Mais ainda quando não tínhamos dados sobre a população da cidade”, acrescentou.
Como pesquisadora, diante dos resultados, chamou a atenção para “a grande normalização” desses consumos de risco na sociedade. “A sociedade em que vivemos constantemente nos induz ao consumo: através de estímulos e publicidades, nos mostra as possibilidades que estão ao nosso redor. Por isso, ter uma visão das práticas de risco aditivo por comunas, faixas etárias, níveis socioeconômicos e gênero é de extrema importância para abordar os problemas de cada contexto na cidade para que aqueles que devem agir possam fazê-lo”, afirmou Paternó.
Por comuna, na 1 (Retiro, San Nicolás, Puerto Madero, San Telmo, Montserrat e Constituição), 12 (Coghlan, Saavedra, Villa Urquiza e Villa Pueyrredón) e 4 (La Boca, Barracas, Parque Patricios e Nueva Pompeya) é onde há maior proporção da população que relatou ter feito apostas online no último ano (mais de 8%). Já na 14 (Palermo), é onde menos se referiram a essa prática (2,8%).
Também nas comunas 12, junto com a 6 (Caballito), 15 (Chacarita, Villa Crespo, La Paternal, Villa Ortúzar, Agronomía e Parque Chas) e 2 (Recoleta) é onde a prevalência anual do consumo de álcool é mais alta (mais de 79% de seus habitantes), enquanto na 8 (Villa Soldati, Villa Riachuelo, Villa Lugano) é o valor mais baixo (61,2%). Prazer, costume, tradição ou relaxamento são os motivos mais comuns.
O consumo de maconha é mais alto nas comunas 13 (Núñez, Belgrano e Colegiales), 1 e 10 (Villa Real, Monte Castro, Versalles, Floresta, Vélez Sarsfield e Villa Luro). No extremo oposto está a 4. Os locais mais comuns entre as mulheres são a casa de amigos ou com o parceiro e, entre os homens, lugares públicos. Os maiores de 60 anos optam pela casa e, em uma balada, bar ou restaurante, os de nível socioeconômico mais alto.
Na comuna 8, 15 e 3 (Balvanera e San Cristóbal) é onde mais se fuma e, na 9 (Liniers, Mataderos e Parque Avellaneda), é onde menos citaram o consumo de produtos de tabaco. Mais de 70% dos entrevistados percebem que o risco de consumir tabaco pelo menos duas vezes por semana e de fumar três cigarros ou mais por dia é moderado ou alto – explicaram as autoras. 60,2% percebem risco moderado a alto no consumo semanal de cigarros eletrônicos, enquanto 20,5% não conhecem o risco associado. Investigar a percepção de risco, de acordo com os pesquisadores, é tão relevante quanto os números porque fornece informações subjetivas sobre práticas associadas a riscos.
Márquez destacou também a exploração de outros consumos atuais, como o uso de tecnologias e apostas online. “É a primeira vez que uma pesquisa populacional investiga comportamentos de dependência ao uso de dispositivos. Para isso, usamos a Escala de Adição e Dependência ao Smartphone (EDAS-18) academicamente validada para aplicar a toda a população e medir os níveis de risco dos comportamentos e, como dado central, encontramos que 87,5% dos jovens entre 18 e 30 anos têm algum padrão de dependência aos dispositivos celulares. Outro dado que nos impactou foi a quantidade de horas de uso do celular: 43% dos portenhos o usam por mais de cinco horas por dia”, mencionou a funcionária em conversa com a LA NACIÓN.
Para a chefe do observatório portenho, isso é “uma maneira de gerar evidências sobre um problema sobre o qual se fala muito na mídia, mas não há dados estatísticos ou populacionais que nos permitam estimar sua magnitude. Isso nos permitirá desenvolver políticas e começar a pensar em linhas de prevenção para os consumos digitais, algo central em nossa sociedade.”
Em relação ao consumo problemático de substâncias, o que mais chamou a atenção foi a percepção do risco entre os habitantes de Buenos Aires. “Perguntamos a eles, com base em uma quantidade considerada arriscada, qual era essa percepção. 53% dos portenhos consideram que consumir cinco doses de álcool [de acordo com a bebida] em uma ocasião é de baixo risco ou não tem risco para a saúde. Em relação à cocaína, 8% já consumiram alguma vez na vida, com uma prevalência muito diferente entre homens (12,4%) e mulheres (4,1%). Neles, o consumo é triplicado. 77% da população que consumiu no último ano (1,7% dos portenhos) o faz com um padrão considerado de alto ou moderado risco”, explicou Márquez.
Para quatro em cada dez portenhos, o risco de fumar maconha uma ou mais vezes por semana é alto. Sete em cada dez têm a mesma percepção com o consumo ocasional de cocaína, número que é mais alto na comuna 8, 13 e 1 e mais baixo na 7 (Flores e Parque Chacabuco).
As apostas online (17%), o uso excessivo de celular (4,9%) e o consumo de substâncias (1,9%) estão entre as principais preocupações dos portenhos em relação a algum membro da família, especialmente em menores de idade. Quando se trata de buscar ajuda, a consulta com um profissional particular é o mais comum, seguido pelo sistema de saúde público e um centro especializado em consumo de substâncias.
“Como somos mentirosos os argentinos! A negação é tremenda”, disse Marina Charpentier, presidente da Fundação Esperanza, sem questionar os dados da pesquisa, como mencionou, mas com base em sua experiência com famílias de pessoas com dependências (cerca de 50 por semana nos grupos que coordena no Museu Larreta, em Belgrano). “O nível de consumo é alto em todo o país. É dramático o que estamos vivendo. Vivemos em uma sociedade de consumo; é como se estivéssemos insatisfeitos, ansiosos, deprimidos ou o que for. A sociedade não está acompanhando o que ouvimos diariamente de tantas famílias que estão sofrendo muito com as dependências”, acrescentou durante o painel que seguiu à apresentação dos resultados.
Fabián Belay, da Comunidade do Padre Misericordioso, de Rosario, Santa Fé, compartilhou a preocupação da equipe com a qual trabalha em relação aos jovens e adolescentes. Em uma pesquisa realizada por sua comunidade no ano passado com 130 jovens da região, 30% dos menores de 14 anos ou menos haviam experimentado substâncias, 50% tinham um parente falecido devido à violência associada às drogas na cidade e 70% tinham um parente preso.
“Esses dados [também fornecidos pela pesquisa portenha] sempre incomodam e são encobertos”, continuou o padre. “Temos a terceira geração de consumidores e não sabemos quais serão as consequências. A única ferramenta que temos diante disso é o ensino médio e 50% dos adolescentes não estão lá. Apenas 13% o concluem com os conhecimentos adequados para o futuro no trabalho.” Em um teste aleatório em empresas de Rosario, de acordo com dados citados por Belay, 40% dos trabalhadores consumiam alguma droga.