Justiça argentina ouve vítimas em caso de crimes contra a humanidade cometidos pelas forças de segurança venezuelanas

  • Tempo de leitura:5 minutos de leitura

Familiares de duas vítimas falecidas durante os protestos na Venezuela em 2014 prestaram depoimento esta semana perante um tribunal argentino. Em audiências de até três horas, as vítimas testemunharam no caso aberto há um ano em Buenos Aires sobre supostos crimes de lesa humanidade perpetrados pelas forças de segurança venezuelanas. A Fundação Clooney para a Justiça, como parte civil, invocou a jurisdição universal para solicitar que a Argentina investigue um possível plano sistemático de repressão orquestrado pelas forças leais ao governo de Nicolás Maduro. A declaração prestada por três das vítimas representa o maior avanço até o momento no caso.

“Me livrei de um fardo muito grande”, disse uma das vítimas ao advogado litigante, Ignacio Jovtis, ao fim da audiência após dias de muita tensão. “Acredito que na Argentina se abriu uma janela para a justiça, algo que lhes foi negado por tantos anos. Ter a oportunidade de falar perante os juízes é um primeiro passo em direção à reparação”, afirmou o advogado. “Foi intenso, mas [as vítimas] se sentiram bem tratadas e respeitadas”, valorizou ele na sexta-feira.

Segundo a denúncia, o ataque organizado contra a população civil entre fevereiro e maio de 2014 “era parte de uma política de Estado” e o assassinato de mais de duas dezenas de manifestantes pelas forças de segurança estava inserido em um plano sistemático de repressão.

“Não estamos falando de crimes isolados, mas sim acreditamos que são crimes que se enquadram no mesmo padrão”, assegura Jovtis, que trabalha neste caso há dois anos. Ele conta que entrevistou dezenas de pessoas em toda a Venezuela e seus depoimentos revelam que em diferentes regiões do país houve pessoas “detidas, torturadas e libertadas de forma notavelmente semelhante”.

A Justiça venezuelana se recusou a investigar os altos comandantes da Guarda Nacional Bolivariana e se limitou a julgar a responsabilidade dos oficiais de patentes mais baixas, por isso a Fundação Clooney recorreu à Justiça argentina. Foram entregues 15.000 páginas com provas para acusar nominalmente os que são considerados culpados pelos dois crimes pelos quais se exige justiça. “Nosso objetivo é que a Justiça identifique e condene os responsáveis criminalmente”, afirma Jovtis.

A denúncia lamenta não poder fornecer mais detalhes sobre os casos representados devido ao risco que as famílias enfrentam até hoje, apesar do tempo decorrido desde os crimes denunciados. “Denunciar qualquer violação dos direitos humanos na Venezuela requer um grande grau de coragem porque os riscos não são teóricos, são reais, como vimos com Rocio San Miguel”, detalha o advogado, referindo-se à ativista detida desde fevereiro sob acusação de fazer parte de uma conspiração para assassinar Maduro. O Ministério Público venezuelano também deteve a filha de San Miguel, seu marido, seu ex-marido e outros dois parentes, embora todos tenham sido posteriormente libertados sob fiança, exceto ela.

As Nações Unidas denunciam há anos as múltiplas violações dos direitos humanos na Venezuela. De acordo com este organismo internacional, os serviços de inteligência venezuelanos “funcionam como estruturas bem coordenadas e eficazes para a execução de um plano, orquestrado desde os níveis mais altos do governo, para reprimir dissidência por meio da comissão de crimes de lesa humanidade”.

Diante da paralisia dos tribunais venezuelanos, esses crimes estão sendo investigados paralelamente pela Corte Penal Internacional (CPI) e pela justiça argentina com base na jurisdição internacional, que permite que os países processem os crimes mais graves independentemente do local onde foram cometidos e da nacionalidade do autor ou da vítima. No início do ano, um juiz argentino de primeira instância arquivou o caso e solicitou sua derivação para o CPI, mas um tribunal superior ordenou a reabertura em abril. Desde então, a justiça argentina solicitou várias medidas de prova e ouviu o depoimento de três vítimas esta semana.

Amnistia Internacional (AI) apresentou um amicus curiae para apoiar o caso impulsionado pela Fundação Clooney, considerando que “o sistema judicial da Venezuela demonstrou não ter a vontade ou capacidade para investigar, processar e punir adequadamente os perpetradores de graves crimes de direitos humanos em sua jurisdição doméstica, muito menos aqueles que ocupam altos cargos na cadeia de comando”.

No documento apresentado, a AI alertou que as violações dos direitos humanos se agravaram e são vistas diariamente, com detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e a ausência de garantias mínimas para um julgamento justo, além de ataques constantes a organizações e ativistas. Esta organização incentivou a justiça argentina “a frear os perpetradores dessas violações e crimes” aplicando todo o rigor da lei penal para oferecer justiça às vítimas.

A justiça federal argentina tem outras duas causas abertas sob o princípio da jurisdição universal. A primeira, iniciada em 2010, investiga os supostos crimes de lesa humanidade cometidos na Espanha pelo regime franquista (1936-1977). A segunda, de 2021, investiga o suposto genocídio contra a comunidade rohingya em Mianmar.

Inscreva-se aqui na newsletter do EL PAÍS América e receba todas as informações chave sobre a atualidade da região.

Alex Barsa

Apaixonado por tecnologia, inovações e viagens. Compartilho minhas experiências, dicas e roteiros para ajudar na sua viagem. Junte-se a mim e prepare-se para se encantar com paisagens deslumbrantes, cultura vibrante e culinária deliciosa!