La motosserra de Javier Milei ataca os doentes graves

  • Tempo de leitura:9 minutos de leitura

A serra elétrica de Javier Milei, que havia prometido cair sobre a “casta”, começou pelos mais vulneráveis na Argentina: entre as primeiras vítimas do desmantelamento promovido pelo governo ultradireitista estão os pacientes oncológicos e com outras patologias graves que deixaram de receber do Estado medicamentos de alto custo, essenciais para seus tratamentos. Nos últimos quatro meses, pelo menos sete pessoas faleceram aguardando a medicação que as mantinha vivas. As autoridades comemoram um corte de 140.000 milhões de pesos (cerca de 150 milhões de dólares) na área da saúde, mas negam o fim do programa de assistência. Apenas alguns começaram a receber a medicação novamente após judicializarem seus casos.

Desde dezembro, centenas de pacientes travam uma batalha desigual com o Estado pelos medicamentos que normalmente recebiam através da Direção de Assistência a Situações Especiais (Dadse), um organismo vinculado ao Ministério da Saúde que concede subsídios para aquisição de medicamentos de alto, médio e baixo custo. É a última esperança para pacientes de baixa renda, incluindo meninas e meninos, que não possuem cobertura médica ou qualquer tipo de ajuda.

O funcionário deste organismo, Sergio Eloy Díaz, renunciou ao cargo na quarta-feira passada, de acordo com a imprensa argentina. Dias antes, os pacientes inundaram os tribunais com recursos individuais e coletivos e apresentaram denúncias criminais contra a ministra de Capital Humano, Sandra Pettovello, o titular da Saúde, Mario Russo, e até mesmo contra o presidente Milei por crimes de “abandono de pessoa”.

“A única resposta que recebemos é que é preciso esperar, quando sabemos que essas doenças não esperam. A situação é desesperadora”. O relato é de Gabriel Medina, um comerciante de 29 anos diagnosticado, no final do ano passado, com um linfoma de células muito agressivo. “Não ter nenhuma resposta causa muita incerteza em um momento em que o estado de espírito é fundamental para enfrentar a doença. Sentimo-nos desprezados, abandonados enquanto nossa própria vida está em jogo.”

Um frasco de Brentuximab, o medicamento necessário, custa cerca de 10 milhões de pesos (mais de 10.000 dólares). Gabriel precisa de três frascos a cada 28 dias. “Claramente, algo impossível de pagar para um particular”, diz. Seu tratamento, que deveria começar de forma urgente, vem sendo mantido pela rede solidária de organizações e familiares de pacientes que doam medicamentos que não usam mais. “Isso é o que me dá esperança de vida. Graças a essa solidariedade, hoje posso realizar meu tratamento a tempo. Mas ao mesmo tempo, penso que só posso receber essa medicação porque outros pacientes morreram. Chega a esse ponto, você tem que esperar que outro morra para poder receber a medicação”, relata o jovem de sua casa em Monte Grande, na periferia sul da cidade de Buenos Aires.

A alguns quilômetros de distância, na cidade de Quilmes, María Celeste Quintana atende o telefone. Ela o faz um pouco mais aliviada: dias atrás, recebeu parte de sua medicação após cinco meses de espera, nos quais tinha sessões de quimioterapia programadas depois de, assim como outros pacientes, ter denunciado seu caso. Em 2019, Celeste, estudante de História e Biblioteconomia da Universidade de Buenos Aires (UBA), foi diagnosticada com linfoma de Hodgkin, um câncer que afeta o sistema linfático. Seu pulmão direito está comprometido e, se a doença progredir, pode dificultar sua capacidade de respirar.

Filha de trabalhadores aposentados, Celeste não tem cobertura de saúde privada nem pelo sindicato e sua saúde está nas mãos dos hospitais públicos de Buenos Aires: lá ela foi tratada com diversos ciclos de quimioterapia e um autotransplante de medula óssea. “Mas o meu é um linfoma crônico, sempre estará lá. O que eu preciso é de um tratamento de controle para evitar que ele cresça”, descreve a mulher de 32 anos. Até dezembro, a Dadse cobria o medicamento necessário: 28 milhões de pesos a cada seis semanas em frascos de Pembrolizumab que só podem ser adquiridos pelo Estado.

“Desde novembro, quando entreguei meus documentos na Dadse, até abril, estive reivindicando porque os medicamentos não chegavam. Consegui fazer a sessão de quimio, programada para janeiro, com a doação da metade da dose que eu deveria receber para superar o momento”, conta Celeste. Não seguir os prazos estabelecidos em um tratamento oncológico é uma brecha para a progressão da doença. “Já temos que lutar muito contra a doença para ainda termos que lutar contra um Estado que não entrega medicação”, aponta.

A partir de fevereiro, foi iniciada para ela uma exaustiva disputa judicial: naquele mês, ela entrou com um recurso de amparo que foi concedido a seu favor em 1º de março. No entanto, o Ministério da Saúde apelou. “Não conseguia acreditar, eles apelaram dizendo que meu caso não era de sua jurisdição, que caberia à província de Buenos Aires. Mesmo assim, a justiça ordenou que a medicação me fosse entregue mesmo assim, mas não estavam fazendo, como acontece com muitos outros pacientes”, retoma.

Das autoridades, receberam apenas respostas sucintas. Em entrevista na televisão, a ministra Pettovello justificou a falta de medicamentos afirmando que as compras durante o governo anterior, liderado pelo peronista Alberto Fernández, eram realizadas “de forma irregular” e que avançariam na auditoria das licitações. Por outro lado, o Ministério da Saúde, liderado pelo cardiologista Mario Russo, culpou o que consideravam como “operações de imprensa” (familiares ou os próprios pacientes que denunciaram sua situação na mídia) e garantiram que a Dadse “não fechará durante esta administração”.

Enquanto os pacientes veem ameaçadas suas chances de sobrevivência a cada dia, as autoridades celebram uma economia de 140.000 milhões de pesos na saúde, resultado de um plano radical de cortes em um contexto em que os medicamentos aumentaram 146% entre novembro e fevereiro, 53% acima da inflação, de acordo com o Centro de Profissionais Farmacêuticos Argentinos (Ceprofar). Ao mesmo tempo, milhares de filiados cancelam suas coberturas médicas após a desregulamentação dos aumentos, sobre os quais o governo teve que voltar atrás.

“Dizer que interromperam a entrega de medicamentos por uma auditoria do programa é cruel. Em caso algum nós somos os culpados, somos pessoas que precisam de medicação para viver”, afirma Celeste sobre a entidade que em 2023 entregou 22.500 medicamentos e concedeu 6.170 subsídios.

“Mistanasia”

“A palavra é mistanasia: a morte por abandono indigno de pessoas. Mil vezes travamos conflitos com os governos, mas nunca como agora houve vontade de que as pessoas morressem”. Assim define Florencia Braga Menéndez, diretora de projetos da Alianza Argentina de Pacientes (Alapa), uma das seis organizações que entraram com uma ação coletiva pedindo por essa situação “inaudita”. “Ao longo desses anos, nunca vimos nada igual, antes poderia haver algum déficit, um atraso, mas nunca algo como o que estamos vivenciando hoje”, acrescenta Débora Bosco, presidente da Fundação Solidariedade Câncer (Fusoca), que há mais de uma década acompanha pacientes em seus tratamentos remediando as carências onde o Estado não chega.

O mais angustiante, concordam ambas, são os pacientes que “já perderam a batalha”. Segundo puderam revelar, pelo menos sete pacientes morreram nos últimos quatro meses “aguardando” sua medicação, mas pode haver mais. Aldo Javier Pinto, Camila Gimenez, Alfredo González, Mariana Floridia, Patricio Romanos, María Teresa Troiano e Alexis Caballero são seus nomes. “Meu filho era um paciente grave, mas a ele não deram oportunidade. A medicação que ele precisava nunca chegou. Nada vai curar isso, mas os culpados têm que pagar porque meu filho tinha chances de viver com a medicação. Era um jovem, com muitos projetos e vontade de viver”, conta com impotência Claudia, mãe de Alexis, paciente oncológico de 22 anos.

E-mails, ligações, mensagens nas contas de Instagram das autoridades, notas nas portas de diferentes órgãos: nenhuma resposta diante da “desesperança” das mães e pais das crianças que enfrentam doenças complexas e que, se não reiniciarem seu tratamento, sua condição de saúde se agrava. “Ver um filho morrer é desgarrador, causa muita impotência”, afirma ao telefone Mirta Hashimoto, mãe de Cielo, de 14 anos, que sofre de lúpus, uma doença autoimune que ataca e destrói os órgãos vitais. Com um tratamento adequado e vitalício, no entanto, seu estado pode se estabilizar. Para isso, precisam de sete medicamentos específicos que hoje seus pais, ambos desempregados e sem emprego fixo desde a pandemia, obtêm através de doações.

“Vivemos dia após dia com angústia, com a pressão para que ela tenha sua dieta (estritamente saudável), sua medicação, seu protetor solar desde que amanhece até que anoitece, porque o lúpus afeta os tecidos da pele. Garantir o gás para que não sinta frio pelas articulações doloridas, quando nem sequer temos gás natural, temos botijão. Tentar dar o máximo para lhe proporcionar a melhor qualidade de vida em questões que às vezes são impossíveis para nós. Precisamos de um Estado presente, porque todos temos direito à saúde e a viver com dignidade”, expressa Mirta.

“Nunca pensei que [as autoridades] chegariam a tanto, a uma atitude tão desumana quando há vidas em jogo”, acrescenta Natalia, outra das mães que luta pela medicação de seu filho, em uma longa lista de pacientes crônicos, graves e até terminais: “Para eles, somos um gasto inútil”.

Inscreva-se aqui na newsletter do EL PAÍS América e receba todas as chaves informativas da atualidade da região.

Alex Barsa

Apaixonado por tecnologia, inovações e viagens. Compartilho minhas experiências, dicas e roteiros para ajudar na sua viagem. Junte-se a mim e prepare-se para se encantar com paisagens deslumbrantes, cultura vibrante e culinária deliciosa!