A justiça mexicana voltou a tropeçar mais uma vez na mesma pedra chamada Carlos Ahumada Kurtz. O empresário argentino, procurado no México há anos, foi detido na semana passada no Panamá. Com um mandado de prisão em vigor, as autoridades o retiveram no aeroporto quando ele tentava viajar para a Guatemala com um passaporte mexicano vencido. Após dias de omissão por parte do Ministério Público mexicano, o país da América Central o devolveu ao Paraguai e deste para a Argentina. O México já fez várias tentativas fracassadas de apresentá-lo aos tribunais para prestar contas. A secretária de Segurança Federal, Rosa Icela Rodríguez, admitiu nesta quinta-feira que nem a Procuradoria de Cidade do México nem a Procuradoria Geral da República “tinham base para pedir uma extradição” e que alguns dos crimes pelos quais é acusado já prescreveram. No entanto, apesar da falta de resultados, a investigação contra ele não foi encerrada.
O empresário argentino, que chegou a se relacionar com as altas esferas da esquerda mexicana no início do século, estava há vários anos fora do radar quando, em 2019, foi detido em Buenos Aires. Com as informações enviadas pelas autoridades mexicanas, a justiça argentina avaliou o pedido de extradição e, a princípio, o descartou. Mais tarde, isso foi admitido, com novas informações em mãos, mas Ahumada conseguiu se proteger em seu país de origem e conseguiu que as acusações fossem julgadas na Argentina, onde permanece em liberdade. Desde então, não se sabe mais detalhes do caso judicial. Até a última sexta-feira, quando as autoridades panamenhas detectaram um passageiro carregando um mandado de prisão.
Panamá solicitou ao México, após a detenção, que informasse se ainda tinham interesse no mesmo [Ahumada] para sua extradição, porém não recebeu resposta. Após 24 horas e diante da inércia mexicana, ele foi devolvido ao Paraguai, de onde veio seu voo original. “Unidades do SNM [Serviço Nacional de Migração do Panamá] confirmaram que dentro do banco de dados da Secretaria Geral da Organização Internacional de Polícia Criminal INTERPOL em Lyon, na França, ele mantém uma notificação vermelha e é procurado pelas autoridades mexicanas por crime de fraude genérico e continuado”, afirmaram em comunicado. Uma busca feita por este jornal entre aqueles que têm fichas vermelhas da Interpol revelou que o nome de Ahumada não aparece na lista atualmente.
A Procuradoria Geral da República (FGR) deu poucos detalhes sobre os motivos que levaram à persecução de Ahumada. Supostamente, ele foi acusado de fraudar o fisco em 1,4 milhões de pesos, cerca de 63.000 dólares. No entanto, o fiscal argentino Guillermo Marijuan, responsável pelo caso de extradição, explicou ao EL PAÍS que o pedido carecia de fundamento, pois “estava sendo solicitado por não apresentar algumas declarações juramentadas, e essa pessoa se apresentou e até pagou uma multa”. De acordo com o processo judicial enviado à Argentina, Ahumada provou que o dinheiro pelo qual estava sendo cobrado não correspondia a lucros obtidos no México, mas sim a movimentos entre suas próprias contas. Restou a ele justificar apenas 2.840 pesos, que somados às multas totalizavam cerca de 5.500 pesos, aproximadamente 250 dólares. Além desse caso, o empresário enfrenta outra acusação por uma denúncia feita pela ex-secretária de Desenvolvimento Social, Rosario Robles, que o acusou de extorsão e fraude.
Ahumada recentemente obteve na justiça mexicana um amparo para evitar futuras detenções. Ao ser retido no Panamá, ele afirmou que aceitaria a extradição para o México, sabendo que eventualmente isso seria anulado. Foi o que a FGR informou em 10 de junho passado: “O Procurador-Geral da Nação Argentina informou a esta instituição que, em sua audiência correspondente a este dia, a referida pessoa [Ahumada] manifestou às autoridades desse país que aceitava o pedido de extradição por crime comum de fraude na Cidade do México; pois obteve de um juiz federal, aqui, uma suspensão no amparo contra o mandado de prisão correspondente”.
O empresário argentino fez parte de um pequeno círculo no início dos anos 2000 que cercava os líderes do Partido da Revolução Democrática (PRD), que na época governava o Distrito Federal e grande parte das delegações que o compunham. Dono do Grupo Quartz, uma empresa de construção, ele conseguiu estabelecer uma extensa rede de poder entre seus negócios e dezenas de funcionários. Naquela época, ele recebeu diversos contratos de obras públicas durante algumas administrações do PRD na capital, incluindo o governo de Rosario Robles. Até 2004, quando se tornou inimigo da esquerda mexicana ao expor vídeos em que ele aparecia em seu escritório pagando propinas a operadores do partido.
O caso conhecido como os escândalos dos vídeos mancharam a carreira de vários colaboradores próximos ao presidente Andrés Manuel López Obrador, que na época ocupava o cargo de Chefe de Governo da Cidade do México. As consequências dessa jogada o levaram a passar um curto período na prisão. Em uma entrevista a este jornal em 2020, Ahumada criticou a perseguição judicial e afirmou que estava sendo perseguido “por vingança e sem nenhuma prova jurídica”.
Rosa Icela Rodríguez se recusou nesta quinta-feira a entrar em detalhes sobre as acusações que ainda pesam sobre o argentino. “Coisas e detalhes sobre o litígio, o governo federal não tem”, disse. “Ou seja, ele está detido ilegalmente…”, sugeriu uma repórter. “Não, eu não quero entrar em detalhes porque é a Procuradoria que nos forneceu essas informações”, respondeu. Ela acrescentou: “Não podemos prender essa pessoa porque ele tem uma proteção. Também é especificado que em outros casos, esses crimes já prescreveram, então, legalmente, é o que corresponde, e é por isso que não há um mandado de extradição. A Procuradoria da Cidade do México e a Procuradoria Geral da República não tinham base para solicitar uma extradição, pois estavam suspensos contra qualquer ordem de prisão”.