Miguel Ángel Russo optou por vestir-se com elegância para seu retorno como treinador do Boca. Terno preto de botões, gravata e calça combinando, camisa branca recém-passada e casaco bege idêntico ao que usou naquela inesquecível noite de 2007, quando o Xeneize conquistou sua última Copa Libertadores em Porto Alegre. “Isso é porque estou contente e feliz”, disse a Juan Román Riquelme antes de entrar na sala de imprensa. “Vou guardar esta foto”, sussurrou o presidente no ouvido dele, com um sorriso cúmplice que dizia mais do que qualquer discurso formal. Aos 69 anos, o treinador mais veterano na história do Boca assumiu o desafio duplo de devolver o clube à elite mundial e mostrar que sua idade biológica pouco tem a ver com o fogo interior que o impulsiona para frente.
“Bem-vindo seja”, responde Russo quando perguntado sobre as complexidades do Mundial de Clubes, onde o Boca estreará em duas semanas contra o Benfica (viajará neste domingo para os Estados Unidos) e enfrentará também o Bayern Munich, que chegou às quartas de final na última Champions. “Se estou tantos anos nisso é porque me sinto bem, feliz e capaz”, afirmou Miguel, sorrindo, apesar da urgência em reorganizar a equipe e das dificuldades de impregná-la de uma identidade em tão pouco tempo de trabalho.
Embora seja justamente reconhecido como um treinador “ordenador”, Miguel não quer ser rotulado com essa etiqueta. Ele não veio apenas para pacificar vestiários ou reconstruir a estrutura da equipe, mas sim para competir de verdade. Sua relevância não é discurso, são fatos: após sua passagem anterior pelo Boca, e uma breve experiência na Arábia Saudita, foi campeão com o Rosario Central na Copa da Liga de 2023 e levou o San Lorenzo às semifinais do Torneio de Abertura de 2024, consolidando vários jovens e revitalizando o clube em um momento crítico. Ele é, em suma, um treinador que não se agarra ao passado: o utiliza como impulso. E que, intimamente, quando perguntado sobre seu trabalho de liderar equipes, ele responde: “Ordenar o vestiário? Eu venho para ganhar”.
Russo prefere falar do presente, embora a imagem que o clube projeta o remeta ao seu primeiro ciclo, quando se consagrou campeão da América com um Riquelme extraordinário e enfrentou o Milan na final do Mundial de Clubes em Yokohama. O ano de 2017, quando precisou enfrentar um diagnóstico difícil de câncer de bexiga e próstata, já ficou para trás. Ele superou, e desde então vive o futebol com um prazer diferente. Cada jogo, cada conversa tática, cada dia de trabalho, é uma forma de celebrar a vida. E também um ato de resistência. Russo se tornou um homem de rituais silenciosos e de decisões que raramente toma ao acaso.
“Eu amo o que faço e estou muito bem com minha equipe técnica, sempre buscando o melhor. Há muitas coisas que guardo em privado, mas tenho muitas pessoas que me ajudam, que me assessoram, porque a vida e o mundo mudaram. Conversar hoje com um jovem é completamente diferente do que era há 20 anos atrás. Eu tenho que me alimentar dessas coisas, saber como é a sociedade e a juventude atualmente. Vivo tendo reuniões e conversas com pessoas capacitadas das quais estou aprendendo. É preciso se atualizar e ter convicção do que se faz”, refletiu.
Antes de retornar ao Boca em 2020, Russo decidiu fazer uma mudança drástica: se despediu de seus históricos colaboradores, Guillermo Cinquetti e Hugo Gottardi. Ele fez isso para abrir espaço para novas ideias e fortalecer o laço com o elenco. Incorporou Leandro Somoza e – por sugestão da diretoria – Mariano Herrón, e atualmente ele conta com Claudio Úbeda, o colombiano Juvenal Rodríguez e o preparador físico Adrián Gerónimo. Além disso, adicionou Cristian Aquino, ex-membro da equipe técnica de Fernando Gago que conhece muito bem o elenco e especialmente os mais jovens. Também consultou profissionais externos para reestruturar sua equipe com uma perspectiva mais abrangente e moderna.
Neste novo ciclo, Miguel também decidiu se abrir para outras disciplinas. Ele buscou apoio de psicólogos esportivos, delegou mais funções para seus assistentes e começou a imaginar cada partida de acordo com o perfil do adversário. Ainda assim, sua convicção permanece a mesma: confiar na intuição do jogador. Em seus primeiros dias à frente do elenco, teve conversas individuais com grande parte do grupo. Ele perguntou a alguns em que posição se sentiam mais confortáveis; a outros, diretamente tentou motivá-los emocionalmente, sabendo que estão por vir jogos decisivos e que muitas vezes a mente determina o que as pernas não podem resolver.
“Há coisas muito modernas que são boas de usar, mas há algo que sempre deve ser lembrado e é que a mente do jogador de futebol deve estar melhor do que qualquer outra coisa”, destacou. Mesmo antes de elaborar uma lista de jogadores dispensáveis, ele pediu tempo à diretoria para compreender profundamente cada situação e decidir com base em fundamentos, priorizando o compromisso individual sobre qualquer outra variável. Internamente, Russo enfatizou a necessidade de contratar jogadores de qualidade para acelerar o retorno à cena internacional. Ele ficou com a frustração da Libertadores de 2020, um torneio no qual a equipe estava em um bom momento, mas que a pandemia interrompeu, forçando-os a jogar sem torcida na Bombonera, sem o calor do público, um fator que pesa mais do que se possa imaginar.
“Quando decido ir para um clube é porque é algo que me faz feliz. O Boca é o Boca, o Boca é todos os dias, a cada minuto, um monte de coisas, sei muito bem do que se trata e o que o torcedor do Boca quer”, afirmou, com firmeza. Sobre nomes e esquema a ser utilizado, ele respondeu que “o futebolístico ficará para mais tarde”. E encerrou com uma definição que resume sua ideologia: para que o sonho coletivo se torne realidade, “todos devemos estar focados no mesmo objetivo”.
Miguel Russo está em casa mais uma vez, mas não para arrumar móveis ou relembrar velhos tempos, e sim para vencer, para continuar escrevendo sua história.