Milei busca revanche no Congresso para sua lei de desmonte do Estado argentino

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O Congresso argentino vota pela segunda vez o projeto de lei de desmantelamento do Estado impulsionado pelo governo ultradireitista de Javier Milei. Enquanto organizações sociais e de esquerda se manifestam contra nas ruas, os deputados debatem desde o meio-dia de terça-feira a nova versão do chamado Projeto de lei de bases e pontos de partida para a liberdade dos argentinos. Após uma maratona de 20 horas, na manhã de quarta-feira a iniciativa oficial foi aprovada em geral com 142 votos a favor, 106 contra e cinco abstenções. O debate continua porque os legisladores ainda precisam votar capítulo por capítulo, devido às objeções de alguns opositores aos pontos mais polêmicos.

O projeto de lei foi cortado, modificado e dividido em dois em busca de apoios suficientes para evitar um fracasso como o de fevereiro passado, que desencadeou a ira presidencial. Apesar das mudanças, a lei que Milei busca seu primeiro triunfo legislativo em quase cinco meses de mandato mantém o mesmo espírito que a primeira: dar luz verde ao governo para reduzir o tamanho do Estado e sua intervenção na economia, desregular preços e atrair grandes investimentos privados – especialmente na exploração de recursos naturais – em troca de benefícios econômicos substanciais e um mercado de trabalho mais flexível. No pacote fiscal, que é votado separadamente, propõe-se uma polêmica anistia para sonegadores, um aumento de impostos para trabalhadores com salários altos e uma redução dos mesmos para grandes fortunas.

O bloco governista, La Libertad Avanza (LLA), tem apenas 38 dos 257 deputados, mas negociou até o último minuto com os setores opositores dialogantes para garantir os votos positivos em ambas as normativas. Já a oposição mais dura ataca com força um projeto de lei que considera ainda pior que o primeiro, especialmente pelas consequências que terá para as pequenas e médias empresas e para os trabalhadores. Espera-se uma sessão maratônica que se estenda, no mínimo, até a tarde de quarta-feira. Se aprovado, passará para o Senado, onde o governo está em clara minoria em relação ao peronismo opositor.

“Queremos um país normal, tirar o pé do Estado dos contribuintes, ajudar a regularizar sua situação tributária, para que possam concentrar seus esforços em suas atividades produtivas, comerciais, em gerar emprego e riqueza”, defendeu a deputada do LLA, Juliana Santillán. “Tomara que venham investimentos para colocar a mineração em marcha na Argentina”, enfatizou Miguel Ángel Pichetto, aliado do governo. Por outro lado, a deputada peronista Natalia Zaracho denunciou que as novas normativas só beneficiam os mais poderosos: “Não é para a liberdade dos argentinos, mas sim para a liberdade do 1% mais rico e das multinacionais. Por isso eu a chamaria de Lei de Bases para o saqueio de nosso país e da perda de todos os nossos direitos”.

Na votação em particular, entre os capítulos mais polêmicos destaca-se a delegação de poderes legislativos ao presidente em matéria administrativa, econômica, financeira e energética por um ano, a autorização para privatizar empresas públicas e fechar órgãos estatais, a reforma trabalhista, o fim das aposentadorias para quem contribuiu menos de 30 anos para a previdência social e os benefícios às grandes empresas privadas que as pequenas e médias consideram concorrência desleal. A regularização de capitais de até 100.000 dólares também foi alvo de duras críticas pela falta de garantias para evitar que se torne uma fonte de lavagem de dinheiro.

**Privatizações**

O projeto de lei autoriza a privatização de quase uma dezena de empresas estatais, entre as quais se destacam Aerolíneas Argentinas, Ferrocarriles Argentinos e a Rádio e Televisão pública. O governo retirou da lista outras empresas estatais emblemáticas, como a petrolífera YPF e o Banco Nación, devido à rejeição de muitos legisladores. Em relação aos órgãos estatais, a normativa é mais confusa. O texto proíbe explicitamente a dissolução de treze, deixando assim nas mãos do governo a opção de fechar todos os demais. Entre eles está o Banco de Dados Genéticos, no qual são guardados os perfis genéticos de muitos familiares de desaparecidos durante a ditadura – e dos bebês nascidos em cativeiro – que são procurados pelas Avós e Mães da Plaza de Mayo.

A Argentina é um país produtor de petróleo e gás, com grandes reservas de hidrocarbonetos não convencionais na formação de Vaca Muerta. O governo de Milei acredita que é um dos setores com maior potencial de crescimento, e o projeto de lei dedica 60 artigos a modificar a legislação vigente em matéria energética. O novo texto elimina o autoabastecimento energético como objetivo prioritário, permite a livre exportação dos hidrocarbonetos extraídos em território argentino e proíbe a intervenção estatal no preço dos combustíveis locais.

O coração do projeto é o Regime de incentivos para grandes investimentos (RIGI). Ele oferece às empresas benefícios aduaneiros e fiscais por 30 anos e libera a importação de bens de capital e insumos. Em caso de desacordos, estes não serão resolvidos em tribunais locais, mas no CIADI. “Há uma renúncia implícita à soberania legal sobre nossos recursos”, denuncia a Fundação Fundar, que também critica o regime por impedir a aplicação de “políticas industriais para o desenvolvimento de setores locais”. As pequenas e médias empresas argentinas ligadas ao setor energético temem que a nova normativa seja uma sentença de morte para elas.

**Reforma trabalhista**

Milei tentou aplicar uma reforma trabalhista sem debate legislativo através do decreto de necessidade e urgência com o qual iniciou seu mandato em 10 de dezembro, mas a Justiça o impediu. A reforma trabalhista retorna agora disfarçada dentro da lei de bases, com artigos que estendem o período de teste para seis meses, a possibilidade de as empresas substituírem as pesadas indenizações por demissão por um fundo de cessação de pagamentos e a redução da punição para quem empregava trabalhadores sem contrato.

Um dos pontos mais polêmicos está relacionado com as aposentadorias. Somente poderão receber uma pensão aqueles que tenham contribuído por pelo menos 30 anos para a previdência social. Na Argentina, onde 44% da população trabalha no setor informal, muitos trabalhadores com mais de 65 anos não preenchem esse requisito. Até agora, essas pessoas podiam ter acesso a uma aposentadoria mínima, mas o projeto prevê que passem a receber um auxílio que será 80% dessa aposentadoria mínima e incompatível com outra pensão, por exemplo, de viuvez.

**Aumento de impostos**

Embora Milei tenha prometido durante a campanha que não aumentaria impostos, ele já aumentou vários no decreto de necessidade e urgência e agora considera tributar com o imposto sobre a renda (conhecido na Argentina como imposto sobre os Ganhos) os trabalhadores com salários brutos mensais a partir de 1,8 milhão de pesos (equivalente hoje a 2.000 dólares pelo câmbio oficial). Este gravame representará uma fonte extra de receitas para as províncias, que receberão parte do arrecadado, tornando-se uma ferramenta de negociação do oficialismo com os governadores provinciais: a votação do pacote fiscal está sujeita à aprovação prévia do projeto de Lei de bases.

A nova normativa fiscal reduz impostos para aqueles que possuem mais. Para aqueles que possuem um capital superior a cem milhões de pesos (equivalentes a cerca de 110.000 dólares, sem incluir a residência familiar), o imposto sobre bens pessoais que pagavam até agora será reduzido e ainda mais se optarem por pagar a quota por adiantado para os próximos cinco anos. O projeto de lei também prevê uma anistia fiscal para os sonegadores que possuem dólares não declarados, independentemente da origem dos mesmos, uma manobra que suscita muitas dúvidas num momento em que o narcotráfico se alastra pelo país, especialmente nas províncias de Santa Fe e Buenos Aires.

O debate legislativo se prolongará durante toda a madrugada e grande parte da quarta-feira, enquanto Milei o supervisiona a partir da residência presidencial de Olivos, nos arredores de Buenos Aires. O presidente mantém seus ataques verbais aos legisladores – a quem tem chamado de casta, extorsionadores, traidores e ratos – mas em silêncio habilita as negociações. Embora negue em público, ele precisa dessa lei.

Alex Barsa

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