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Quando um paciente está muito doente e a morte é iminente, muitos médicos usam a frase “Já não há mais nada a fazer”. A Carlos Rais, essa sentença sempre lhe causava muita indignação. Engenheiro industrial e médico paliativista, o homem que mora em Cipolletti, na província argentina de Río Negro, passou por experiências muito dolorosas com a morte de familiares e amigos.
Para acompanhar familiares e pacientes e ajudá-los a passar “da melhor forma possível cada dia que lhes resta de vida”, Rais fundou a Fundação Solatium Patagonia, que há quase 15 anos oferece serviços domiciliares gratuitos de assistência e acompanhamento. Há dois anos, inauguraram o Hospice Casa Betania, um local com capacidade para oito pessoas destinado àqueles que não têm familiares para cuidar deles. A fundação reúne 60 pessoas, que formam equipes multidisciplinares e trabalham voluntariamente. Além disso, oferece um curso de graduação em cuidados paliativos que abrange aspectos biomédicos, psicossociais e espirituais.
“Apenas somos felizes se pudermos ajudar o irmão, o próximo. Pode parecer um lugar-comum, mas é verdade e se manifesta em nosso trabalho. Muitos de nossos voluntários dizem que recebem dos pacientes muito mais do que nós lhes damos. Estamos em contato com o mais sincero e puro do ser humano”, afirma Rais.
No serviço de hospício domiciliar, os membros da fundação visitam a casa dos pacientes com o objetivo de controlar seus sintomas físicos, auxiliar nos aspectos sociais, familiares e espirituais. “O principal protagonista é a família, que está com o paciente. Ensinamos-lhes como ajudá-lo a comer bem ou, por exemplo, a virá-lo na cama se estiver com dificuldade para respirar e precisar de ar. Também ensinamos como administrar a medicação. Em 90% dos casos, são pacientes oncológicos, mas também há alguns neurológicos. Também temos um serviço de hospício diurno; se o paciente puder ser transferido, passam algumas horas conosco e isso oferece um pouco de folga para a família.”
A fundação conta com cinco médicos paliativistas, uma nutricionista, uma assistente social, uma psicóloga, uma fisioterapeuta e um grupo de cuidadores, que foram formados na mesma instituição. O curso para voluntários em serviços de hospício e cuidados paliativos tem duração de quatro meses; lá aprendem o controle dos sintomas físicos e aspectos da comunicação com o paciente e a família, entre outros temas. Um ou dois cuidadores ficam responsáveis pelo serviço domiciliar de um paciente, que pode ligar a qualquer momento, durante os sete dias da semana. “Damos muita importância ao acompanhamento dos pacientes e a passar com eles o tempo que for necessário”, acrescenta.
A fundação se mantém com a contribuição de voluntários de Cipoletti e de outras cidades vizinhas, além da ajuda de familiares de pacientes que receberam assistência em seus últimos dias. A criação do Hospice Casa Betania foi uma poderosa demonstração dessa solidariedade. O local possui 600 metros quadrados e foi necessário arrecadar mil dólares por cada metro de construção.
**Enfrentar a morte para “voltar ao importante”**
“As vezes pensamos que as pessoas são egoístas e não se importam com os outros enquanto estão saudáveis. Mas não foi assim. Muitas pessoas humildes contribuíram com seu dinheiro para construir. Tudo veio da comunidade, pois não recebemos ajuda do Governo provincial ou nacional. Na casa, recebemos pacientes que sofrem de uma doença incurável e rapidamente progressiva e que não têm um ambiente que possa cuidar deles em suas casas. Parece feio dizer assim, mas são pacientes terminais. No final da vida. Nem na Casa Betania nem no serviço domiciliar cobramos um centavo”, esclarece.
Embora sejam atendidos por médicos, enfermeiros e voluntários, os pacientes da Casa Betania são “donos do local”, como gosta de dizer Rais. Lá podem comer o que quiserem, receber seus entes queridos e até mesmo fumar um cigarro no pátio. “O local se fundamenta na ideia de que os pacientes possam experienciar um final de vida mais suportável aqui do que em um hospital ou sanatório, que não estão preparados para recebê-los. Aqui eles podem fazer o que quiserem. Por exemplo, tomar um vinho, cozinhar ou tomar mate, o que não é permitido em um hospital. É uma casa normal, como a sua e a minha. Eles precisam sentir que não estão em uma clínica”, acredita Rais.