O plano das mães cuidadoras qom para manter viva sua cultura

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“No temos mais território, mas como grupo de mulheres trabalhamos no resgate cultural e de identidade para fazer nossas crianças saberem de onde vêm e para onde vão”, diz com ênfase Sonia Garcia, indígena qom de 43 anos, na reserva aborígine de Pampa del Indio, na província argentina do Chaco, um território conhecido como “coração indígena”. “Nossa preocupação é que nossa língua materna, nossos costumes, nossas crenças não se percam.”

Num salão comunitário, numa manhã quente de outono austral, Sonia está cercada por sua mãe Aureliana González, Amancia e Ester Silvestre, algumas das fundadoras das Mães Cuidadoras da Cultura Qom, uma organização que trabalha há duas décadas na recuperação e preservação de sua língua e de seus saberes ancestrais para que não morram com elas.

Aureliana González, de 61 anos, explica por que levantam a bandeira da resistência cultural muito tempo depois da conquista espanhola e dos massacres do século XIX. “Ainda há muito a ser feito.”

No Chaco, uma das províncias mais pobres do país, vivem 30.000 qoms, embora possam ser mais. Apenas em Pampa del Indio e nos arredores vivem cerca de 400 famílias dessa etnia que o homem branco chamou de toba.

Os qoms constituem um dos grupos indígenas mais numerosos da Argentina. São 80.124, a metade dos mapuches e fazem parte dos 1.306.760 argentinos que se reconhecem como aborígenes no último Censo Nacional de população, que representa 2,9% da população do país.

Aureliana é mãe de sete filhos, avó de 23 netos e uma das 20 pioneiras que, desde 2003, mergulham em suas biografias e raízes, ouvindo seus anciãos, para deixar um registro escrito de sua língua oral e dos conhecimentos ancestrais sobre práticas de criação, plantas medicinais, culinária étnica e educação ambiental.

A ação de recolher sempre foi socializar o conhecimento para chegar às escolas que, em muitos casos, ignoram a idiossincrasia qom, o que provoca fracasso e abandono escolar. O mesmo acontece com outras etnias no país. De acordo com os dados do último censo, apenas dois em cada dez indígenas com mais de 25 anos concluem o ensino médio na Argentina.

“É importante que as professoras conheçam. A criança indígena é mais serena, mais calma. Muitas vezes, elas se confundem e por isso a criança não aprende nada”, afirma Amancia Silvestre.

Em 2007, em parceria com a Faculdade de Humanidades da Universidade Nacional do Nordeste (UNNE), a partir das cátedras de Ciências Naturais e Ciências Sociais do curso de professores e licenciatura em Educação Inicial, as Mulheres Cuidadoras deram os primeiros passos rumo ao objetivo de transformar esses registros culturais em recursos pedagógicos para as escolas e em materiais didáticos para a formação das futuras professoras de jardim de infância.

O processo de salvaguarda cultural havia começado em 1985, pouco depois da redemocratização na Argentina. Três religiosas da fraternidade católica Nuestra Señora de América, na linha da Teologia da Libertação, se aproximaram das mulheres para oferecer-lhes treinamento. Elas ensinaram a costurar, cozinhar, interpretar a fé a partir de sua cosmovisão, de seus símbolos culturais e de sua língua materna.

As mulheres começaram a cuidar dos filhos daquelas que trabalhavam fora de casa e a contar histórias para as crianças, a ensinar-lhes seus jogos de infância. Assim nasceram as Mães Cuidadoras da Cultura Qom.

Quando as religiosas se retiraram, a UNNE assumiu através de um projeto de pesquisa sobre as contribuições da cultura qom para a educação intercultural. “Detectamos a evasão escolar. As crianças indígenas de Pampa del Indio não podiam permanecer nas salas de aula porque não falavam a mesma língua que a professora crioula, e os modismos, os laços, a forma de falar, as expressões e o contato com o corpo eram diferentes. Foi aí que entraram em cena as Mães Cuidadoras da Cultura Qom”, diz Sylvia Sandoval, diretora do projeto.

Pouco depois, as mulheres qom se integraram à equipe intercultural do Departamento de Educação Inicial da Faculdade, de onde continuam a reconstrução da memória coletiva e a elaboração de materiais para o ensino bilíngue e intercultural.

Ester Silvestre, professora num instituto terciário e numa escola secundária, acredita que muitas coisas foram alcançadas, mas diz que o trabalho ainda não está concluído. “Nossa língua está em risco de desaparecer. Não queremos que termine em nós, mas que nosso pensamento chegue a outros lugares. Manter a língua e a cultura vivas, isso é o importante”, afirma.

Alex Barsa

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