O Pugilato Transatlântico

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O destaque principal dessa viagem foi, mais uma vez, a radicalização discursiva. Em sua primeira viagem à Espanha desde que assumiu o poder, o presidente argentino se uniu à campanha da Vox para as iminentes eleições europeias, agitando o medo de um setor da sociedade espanhola em relação ao socialismo, entendido como uma etiqueta aplicável a qualquer corrente política que não exalte o individualismo e o mercado, o que permite estender a definição até abranger o peronismo. Essa orientação foi descrita por Milei como “cancerígena”, identificada com a morte e considerada contrária à natureza humana.

Seria fútil discutir a precisão conceitual dessa classificação. Porque não se destina a descrever ou explicar um fenômeno, mas sim a despertar uma emoção. O objetivo é alimentar o ódio, pois se supõe que, como analisado por Giuliano Da Empoli em seu excelente livro “Ingenieros del caos”, a raiva mobiliza e une muito mais do que qualquer programa.

Milei foi além. Conquistou um espaço muito desejado em todos os portais de notícias espanhóis, personificando essas misérias no presidente do Governo. Disse que Pedro Sánchez estava “atado” ao poder e cutucou a ferida referindo-se à alegada corrupção de sua esposa, Begoña Gómez, que está sendo investigada pela Justiça por suposto tráfico de influências. Milei se sente justificado nessa acusação, pois duas semanas antes, o ministro dos Transportes, Óscar Puente, o havia acusado de consumir substâncias proibidas.

Essa exasperação furiosa das mensagens está associada a outra característica da luta política destes tempos. Os líderes que adotam esse estilo, populistas de esquerda ou de direita, preferem agir como chefes de facções, mais do que como chefes de Estado. Milei se definiu perante os seguidores da Vox como um “divulgador das ideias de liberdade” que, além disso e secundariamente, exerce a Presidência de um país.

É comum o líder da La Libertad Avanza se apresentar como um profeta que assume a missão de pregar um credo em escala global. Ou seja, ele se sente o cruzado de uma “batalha cultural”. Essa tarefa lhe rendeu uma popularidade extraordinária, que seria muito difícil de alcançar se sua mensagem se limitasse às tarefas e problemas rotineiros de um administrador. Sua viagem, então, não foi concebida como um movimento da política externa argentina, mas como um compromisso com uma irmandade ideológica internacional que lhe proporciona projeção além de seu país.

Essa prática está se tornando cada vez mais comum. A mesma convenção da Vox foi o palco para que a italiana Giorgia Meloni ou o húngaro Viktor Orban suspendessem por um momento seu papel de funcionários públicos para se apresentarem como correligionários de Santiago Abascal. Uma tentativa de constituir esta “internacional populista” proposta pelo ex-guru de Donald Trump, Steve Bannon. Milei simplesmente levou essa atitude ao extremo, pois não se contentou em abraçar seu amigo, também lançou dardos contra Sánchez.

A partir desse comportamento, surgem outras características do jogo: uma perda de sentido institucional beirando a irregularidade administrativa. Carlos Rodríguez, um economista argentino ultraliberal que colaborou com ele durante a campanha eleitoral, lembrou a Milei que ele é liberal em um país de “esquerdistas”. E Rodríguez comentou: “Esses esquerdistas, 50% deles são pobres e indigentes, pagaram a viagem dele no avião presidencial para que fosse dizer besteiras”.

Rodríguez se referia ao fato de que a viagem à Espanha de Milei e sua comitiva foi paga com dinheiro do Estado, ou seja, com recursos dos contribuintes que, em muitos casos, simpatizam com o socialismo que ele veio denegrir.

É possível que Sánchez tenha agradecido em particular os ataques de Milei. Em plena campanha, permite-lhe polarizar a opinião pública com um argumento recorrente: “somos vítimas do ataque da extrema direita, que odeia tudo o que os espanhóis valorizam”, começando pela solidariedade social. De um lado estaria o PSOE e do outro, potencializado por Milei, a Vox. E nada mais. Também comemora Abascal, que, graças a esse conflito, pode fantasiar com uma recuperação em uma trajetória que vinha declinando.

As estratégias de Sánchez e Abascal são muito adequadas a um objetivo constante: disfarçar a existência do Partido Popular, que conta com um eleitorado muito maior do que o que Vox pode atrair. Sánchez e Milei contribuem com sua rivalidade para uma mesma operação: enfraquecer o centro.

Há outra simetria. Milei é um presidente que ataca como líder de uma tribo. Sánchez é atacado como líder de uma tribo, mas responde como presidente. Neste domingo, quem respondeu aos insultos não foi o porta-voz do PSOE, mas o ministro das Relações Exteriores, José Manuel Albares, que protestou porque Milei atacou não o socialismo, mas Sánchez, sua esposa e “nossa democracia, nossas instituições e a Espanha”. Albares comunicou que decidiu convocar a embaixadora espanhola em Buenos Aires, María Jesús Alonso Jiménez, que, se recuperando de uma cirurgia, deve viajar para Madrid. A convocação é o passo anterior à retirada do embaixador, ou seja, à ruptura das relações diplomáticas.

Alex Barsa

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