SAN CARLOS DE BARILOCHE.- Na região chilena de Los Lagos, a 120 quilômetros ao sul de Puerto Montt, o vale de Cochamó se destaca por seus bosques temperados chuvosos, seus rios cristalinos, seus pântanos, seus glaciares e suas impressionantes paredes de granito. É um paraíso que se estende das enseadas do oceano Pacífico para o leste, quase na fronteira com a Argentina. E um refúgio climático de biodiversidade única, a poucos quilômetros da comuna de Cochamó e de seus 4.300 habitantes dedicados à agricultura e à pecuária em pequena escala, além do turismo de natureza. Aqui, a conservação comunitária está prestes a alcançar um grande feito.
Dentro de uma Reserva da Biosfera, o vale de Cochamó tem como epicentro La Junta, uma pequena localidade acessível apenas a cavalo ou após uma caminhada de 13 quilômetros. Essa peculiaridade faz com que muitos o comparem com o Parque Nacional Yosemite da Califórnia, criado em 1890. Ambos foram “descobertos” por amantes da natureza, como praticantes de caiaque e escalada. Além disso, desde o ano passado está dentro do Santuário da Natureza Valle Cochamó, que representa uma das áreas protegidas de maior extensão do Chile. No entanto, faz anos que esta zona de terras públicas e privadas enfrenta ameaças de projetos industriais, subdivisão da terra, empreendimentos imobiliários, turismo não regulamentado e incêndios florestais.
“Trabalhamos para conservar o patrimônio natural e cultural das bacias de Puelo e Cochamó. Proteger este lugar é assegurar a continuidade de seus ecossistemas únicos, fundamentais não apenas para a flora e fauna local, mas também para as comunidades que viveram em harmonia com a natureza por gerações”, afirmou Josefina Vigouroux, diretora de Comunicações da Puelo Patagonia, ONG que protegeu o rio Puelo e conseguiu frear o projeto hidrelétrico Mediterrâneo. Foi durante um evento na Casa Frey, o local da marca Patagônia em Bariloche.
Tanto Cochamó quanto Puelo (35 quilômetros mais ao sul) fazem fronteira com a fazenda Puchegüín, que há cerca de três anos tornou-se o eixo de conservação da Puelo Patagonia. “Em 2022, o empresário Roberto Hagemann, proprietário da fazenda Puchegüín – com 133 mil hectares -, a colocou à venda através da casa de leilões Christie’s de Nova York. Ele buscava obter 150 milhões de dólares. Essa notícia preocupou a comunidade local, temerosa de que um comprador sem intenções de conservação adquirisse o local”, contaram da ONG. “Diante da ameaça, a Puelo Patagonia começou a buscar aliados estratégicos para tornar realidade o sonho de conservação e lançou uma iniciativa chamada Conserva Puchegüín”, acrescentaram.
O certo é que representantes da Puelo Patagonia e da Organização do Vale Cochamó (formada pela comunidade local) sentaram-se para negociar cara a cara com Hagemann. E, após muitas reuniões, concordaram em comprar a fazenda por 63 milhões de dólares. O proprietário de Puchegüín deu-lhes dois anos para conseguir o dinheiro. Com apoio no Chile e no mundo inteiro, eles já arrecadaram 80% e têm seis meses para chegar aos 63 milhões. Se conseguirem, a comunidade local poderá comprar Puchegüín e protegê-lo para sempre.
Liderada pela Puelo Patagonia, a Conserva Puchegüín é uma aliança internacional de organizações de conservação integrada pela The Nature Conservancy, Fundação Freyja, Patagonia Inc. e Fundação Wyss. “Através de um modelo pioneiro de conservação comunitária, buscamos proteger este patrimônio natural e cultural como legado para as gerações futuras”, alertam os responsáveis.
Além das tradições que abriga (os arrieiros de Cochamó foram declarados como Tesouros Humanos Vivos pelo Conselho da Cultura do Chile, por exemplo), a região se destaca por espécies únicas como o huemul e a vizcacha da Patagônia. De fato, o vale de Cochamó e as terras que atualmente abrigam Puchegüín representam uma peça-chave no corredor biológico formado pelos parques nacionais Puelo, Nahuel Huapi e Lanín na Argentina, bem como diversas reservas e parques do lado chileno.
Além da compra da terra, o plano de reserva em Puchegüín é abrangente. “Queremos que o vale de Cochamó continue sendo um destino de turismo responsável e sustentável ao longo do tempo, procurando o mínimo impacto possível. Queremos que as pessoas possam visitá-lo com consciência e que, no desenvolvimento turístico, o cuidado com o patrimônio e seus objetos de conservação seja uma prioridade. Queremos que as comunidades locais possam participar da governança do local e sejam parte de um turismo responsável”, disse Tatiana Sandoval, que nasceu e cresceu em Cochamó e hoje é presidente da Organização do Vale Cochamó e responsável pela Vinculação Comunitária na ONG Puelo Patagonia. “A ideia é garantir que as futuras gerações possam desfrutar deste ambiente. Cochamó é um modelo de harmonia entre comunidades e natureza, onde suas águas e recursos naturais são preservados de forma responsável”, concluiu Vigouroux.