Pablo Semán: “A Milei convém ser um ícone da extrema direita europeia”

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Pablo Semán é um sociólogo argentino respeitado que desde 2021 vem estudando no terreno, nos bairros, o fenômeno de Javier Milei e da direita libertária argentina. Em seu livro “O ascenso de Milei” (Siglo XXI), ele procura explicar por que uma sociedade desesperada, mergulhada em uma crise após a outra e sem fé no futuro, tem apoiado um libertário histriônico, alheio à política, com a confiança de que ele resolverá tudo. Milei já é uma estrela internacional e agora está na Espanha, convidado pelo Vox, como o ator principal do grande encontro ultradireitista europeu organizado por Santiago Abascal neste domingo em Madri. Em uma entrevista por telefone, Semán afirma que a recessão está causando estragos e que alguns dos que se iludiram com Milei começam a desesperar, embora acredite que o repúdio gerado pela oposição seja tão grande que o presidente ainda tem crédito por algum tempo.

Pergunta: Como Milei, com seus gritos e fantasias de super-herói, conseguiu se tornar presidente de um país com tanta cultura política como a Argentina?

Resposta: A Argentina passou por um ciclo de frustrações econômicas muito extenso. Os últimos três presidentes dobraram a inflação do anterior. A economia, o Estado e a política falharam. E Milei chegou justo para criticar essas três coisas. As fantasias, os gritos, o penteado, são um argumento político. Isso é o que os políticos tradicionais não entendem. Sua aparência é uma crítica ao passado.

P: Por que ele é tão votado pelos jovens de setores de classe média e baixa?

R: Porque estão cansados, exaustos. Quando você vai ao terreno e pergunta sobre o futuro deles, seus olhos se enchem de lágrimas. Eles dizem: “Não conseguimos imaginar o futuro”. Eles dizem isso com angústia. Por isso dizem: “Que venha o que tiver que vir, mas não aguentamos mais”. Eles se tornam anti-Estado e, assim, abraçam essa causa de liberdade de Milei. Além disso, desta vez foi invertido. Foram os filhos que transmitiram o voto aos pais. Além disso, desde 2009, o eleitorado argentino estava se deslocando para a direita.

P: Agora que ele está há vários meses no governo, e suas primeiras políticas estão degradando o poder de compra das classes médias e populares. As pessoas estão sofrendo. Por que elas mantêm seu apoio?

R: Leva tempo. Há desencanto, mas esses mesmos eleitores que estão menos encantados com Milei sentem repulsa pelos candidatos que se opõem a Milei. O que está acontecendo é que os números da recessão estão se tornando alarmantes, estamos caminhando para uma empobrecimento repentino, para o reaparecimento do problema do desemprego. A esperança começa a perder significado até mesmo para os eleitores de Milei. Um certo humor depressivo começa a se espalhar pela Argentina, vemos isso em nossas pesquisas. No entanto, do outro lado, na oposição, eles ainda não entendem por que Milei venceu e não fazem nada para deixar de causar repugnância a essa parte da sociedade.

P: Milei poderia se tornar um novo autoritário como Fujimori?

R: No mileísmo líder está a fantasia fujimorista. Suas elites a têm, seus eleitores mais programáticos podem incentivar essa saída, e algo assim pode surgir entre seus eleitores mais difusos. O panorama recessivo me impressiona muito. Estou muito impressionado com a queda do ânimo. Vemos nas ruas, nas entrevistas. Você vê níveis de tensão interpessoal, vê que as pessoas estão nervosas, porque estão perdendo muito.

P: Os jovens impulsionaram Milei. Pode ser que outros jovens, agora mobilizados para defender a universidade pública, enfraqueçam sua posição?

R: A mobilização universitária foi importante, mas tinha líderes legítimos. O restante das mobilizações não tem. Não há um único líder aceitável. Os líderes da oposição têm uma imagem muito negativa: os sindicalistas, os líderes partidários. É incrível como eles estão convencidos de que vão voltar.

P: O que Milei busca com este ato com o Vox em Madri, com esse papel internacional associado à extrema direita europeia?

R: Milei teve um rápido e acentuado ascenso e uma vitória muito ampla, não como a extrema direita europeia, que tenta há 40 anos. Ele sabe que é um ícone do relançamento da onda global de direita e, em particular, da extrema direita européia. As extrema-direitas europeias o procuram. Isso é conveniente para ele internamente na Argentina porque lhe dá o prestígio de líder internacional bem-sucedido. As duas coisas que receberam mais curtidas em seu Instagram foram sua reunião com Elon Musk e a resposta à manifestação universitária com uma caneca que diz “lágrimas de esquerdosos”. Esta viagem à Espanha é um benefício para ele e para seus anfitriões, que não tinham um líder carismático. Mas Milei, na economia, está à direita da extrema direita europeia. Toda a direita europeia é estatista. Precisamos ver como ele modula suas palavras.

P: Por que discursos de ódio têm tanto sucesso? A direita vibra quando ele fala em “acabar com os esquerdistas”.

R: Há muita ideologia em Milei. Seu ascenso foi contra a política, a economia e o Estado. Mas desde que chegou ao poder, ele tem cada vez mais uma identidade de direita. Todos os elementos misóginos, racistas, anti diversidade, agora estão muito mais evidentes. Com isso, ele compensa a falta de resultados imediatos na política econômica.

P: A pandemia desencadeou o individualismo? Os jovens cortaram laços com o Estado?

R: A pandemia acentuou a crítica ao Estado na Argentina. Muitos trabalhadores mais pobres não tinham permissão para trabalhar, esses sobreviventes da pandemia seguiram em frente apesar do Estado. São pessoas condenadas a acreditar que apenas seu próprio esforço pode salvá-las. Elas não podem confiar em organizações coletivas. Elas não querem planos de saúde privados, querem ter o dinheiro para pagar quando ficarem doentes, nem mesmo confiam nisso. Sentem-se como animais na selva.

P: Os mais explorados votam nele, os que trabalham o dia todo. Você relata casos de jovens que se organizam para dormir menos e produzir mais. E sonham com Elon Musk, o homem mais rico do mundo. Ninguém valoriza o coletivo?

R: Eles confiam em sua capacidade de trabalho de forma muito física, são mineradores de dados, são programadores, mas trabalham como mineiros com picaretas. Desde entregadores até programadores. São anti-Estado porque o Estado dificulta suas atividades. Eles não se interessam pela esquerda, pertencer a ela é muito difícil, é muito exigente. A direita é muito mais flexível, mais heterogênea.

P: E como isso termina?

R: Estamos indo para uma forte fragmentação social e uma violência significativa. Vamos ter níveis muito altos de desemprego, vamos voltar aos problemas dos anos noventa. A inflação é um problema coletivo, mas o desemprego é um problema individual. Já vemos casos de colapso pessoal. Isso levará a formar uma oposição capaz de remover Milei? É uma dúvida. O desprestígio dos líderes políticos tradicionais é incrivelmente ativo e profundo.

Alex Barsa

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