Patricio Reig Nos Olha

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Imagino a conversa entre o artista Patricio Reig e a garçonete que o contratou em um restaurante de Milão: “Aqui estão seus espaguete, senhor. Bom apetite”. Ele a olha, solícito. Ela pensa que ele está querendo queijo ralado. Mas não: ele quer os olhos dela (embora assim dito, em um contexto gastronômico, cause um pouco de angústia). Ele diz que quer fotografá-la. Que é um fotógrafo de reputação internacional. Ele mostra seu trabalho e não sabemos se ela duvida muito, mas o fato é que o olhar daquela bela garçonete milanesa foi imortalizado no tríptico que abre a exposição que fui ver em Girona.

“Patricio Reig. Anatomia do olhar” é fruto da colaboração entre a Fundação Vila Casas e o Centro Cultural La Mercè, que abriga a exposição até pouco antes do São João. Vocês verão olhos que olham para vocês e que vocês não podem deixar de olhar, seja de esguelha ou cravados na parede que os fixa: há olhares de tal categoria que exigem espaço e tempo para retornar da suspensão em que os deixam. Uma lição de anatomia metafísica, se algo assim existir: “O olho tem anatomia, mas o olhar não”, comentava o artista. Precisamente, porque não podemos abrir o olhar em canal para examiná-lo, podemos captar sua desdobramento, que é físico e reproduzível tecnicamente através da fotografia e, ao mesmo tempo, é etéreo porque sempre escapa, apesar de estar indefectivelmente ligado aos fios invisíveis movidos pelo cérebro.

O fotógrafo argentino Patricio Reig (San Juan, 1952) é um artista com uma trajetória entre a fotografia, a literatura e a alquimia. E, como explicava a comissária, Natàlia Chocarro, Reig também tem talento para outras artes, como a escrita (publicou um romance), a caligrafia (tem uma caligrafia bonita e inteligível, não de médico, mas de arquiteto tocado pelas musas da escrita) e também para a culinária. Comentando os afagos, o autor fez uma comparação entre a culinária e o processo criativo da fotografia: para colocar um prato na mesa com maestria, veio a dizer, é necessário pensá-lo, ter conhecimentos específicos, ir ao mercado. Ter os ingredientes, processá-los, intuir as combinações, prepará-los para brilhar na boca. Pôr a mesa. E voilà. Como isso, a fotografia, que não é apenas um click, um disparo de tiros em um corpo (como na fotografia de moda), um assalto frenético ao instante, impactante mas superficial. A fotografia de Reig se mostra como um processo que requer tempo – como a pintura – porque é precisamente o tempo contra o esquecimento que ele pretende deter, capturar a interseção de coordenadas que permanecem (chamam de aura), o ponto onde a essência do olhado pousa.

É nesse sentido que o artista desenvolveu uma poética de onde cria fotografias-objetos que demandam um olhar atento, paciente, “desdobrado”, dizia Chocarro: “Quando o fotógrafo procede a olhar através dos mecanismos da câmera, há um olho que olha, se concentra, foca, e, para fazê-lo, o outro olho está fechado para se conectar diretamente com o interior daquele que olha”.

Alex Barsa

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