Russo, renovado aos 69: um técnico que renega as etiquetas, desafia o passado e o utiliza como impulso

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Miguel Ángel Russo optou por se vestir a rigor para o seu retorno como treinador do Boca. Com um terno preto de botões, gravata e calças a condizer, camisa branca acabada de engomar e um casaco bege idêntico ao que usou naquela noite inesquecível de 2007, quando o Xeneize conquistou a sua última Copa Libertadores em Porto Alegre. “Isto é porque estou feliz e tenho alegria”, disse a Juan Román Riquelme antes de entrar na sala de imprensa. “Esta foto eu guardo para mim”, sussurrou o presidente ao ouvido, com um sorriso cúmplice que dizia mais do que qualquer discurso formal. Aos 69 anos, o treinador mais idoso na história do Boca assumiu o duplo desafio de devolver o clube à elite mundial e mostrar que a sua idade biológica pouco tem a ver com o fogo interior que o impulsiona para a frente.

“Se estou tantos anos nisto é porque me sinto bem, sinto-me feliz e sinto-me capaz”, afirmou Miguel, sorridente, apesar da urgência com que tem de reorganizar a equipa e das dificuldades que implica imprimir-lhe uma identidade em tão pouco tempo de trabalho.

Embora seja justamente reconhecido como um treinador “organizador”, Miguel não quer ser rotulado apenas com essa etiqueta. Não veio apenas para pacificar os balneários ou recompor a estrutura da equipa, mas sim para competir a sério. A sua relevância não são só as palavras, mas sim os feitos: após a sua passagem anterior pelo Boca e uma breve experiência na Arábia Saudita, foi campeão com o Rosario Central na Copa da Liga 2023 e levou o San Lorenzo às meias-finais do Torneio de Abertura 2024, consolidando diversos jovens e revitalizando o clube num momento crítico. É, em suma, um treinador que não se agarra ao passado: usa-o como impulso. E que, intimamente, quando questionado sobre a sua habilidade para liderar equipas, ele responde: “Organizar o balneário? Eu venho para ganhar!”

Miguel prefere falar do presente, embora a imagem que o clube projete o remeta ao seu primeiro ciclo, quando se consagrou campeão da América com um Riquelme incrível e enfrentou o Milan na final do Mundial de Clubes em Yokohama. O ano de 2017, quando teve de enfrentar um diagnóstico duro, ficou para trás: cancro da bexiga e da próstata. Superou-o e desde então vive o futebol com um desfrute diferente. Cada jogo, cada conversa tática, cada dia de trabalho é uma forma de celebrar a vida. E também um ato de resistência. Tornou-se um homem de rituais silenciosos e de decisões que raramente toma ao acaso.

“Amo o que faço e estou muito bem com a minha equipa técnica, procurando sempre o melhor. Tenho muita gente que me ajuda, que me aconselha, porque a vida e o mundo mudaram. Falar com um jovem hoje em dia é completamente diferente do que era há 20 anos. Tenho reuniões e conversas com pessoas capazes das quais vou aprendendo. É preciso atualizar-se e estar convencido do que se faz”, refletiu.

Antes de regressar ao Boca em 2020, Russo fez uma mudança drástica: despediu-se dos seus colaboradores históricos, Guillermo Cinquetti e Hugo Gottardi. Fê-lo para abrir espaço a novas ideias e estreitar o vínculo com a equipa. Incorporou Leandro Somoza e – por sugestão da direção – Mariano Herrón, e atualmente está acompanhado por Claudio Úbeda, o colombiano Juvenal Rodríguez e o preparador físico Adrián Gerónimo. Além disso, adicionou Cristian Aquino, ex-membro da equipa técnica de Fernando Gago que conhece bem a equipa e especialmente os mais jovens. Também consultou profissionais externos para reestruturar a sua equipa com uma abordagem mais abrangente e moderna.

Neste novo ciclo, Miguel também decidiu abrir-se a outras disciplinas. Contou com psicólogos desportivos, delegou mais funções aos seus assistentes e começou a imaginar cada jogo de acordo com o perfil do adversário. Ainda assim, a sua convicção continua a mesma: confiar na intuição do jogador. Nos primeiros dias à frente da equipa, teve conversas individuais com grande parte do grupo. A alguns perguntou em que posição se sentiam mais confortáveis; a outros, tentou levantá-los emocionalmente, sabendo que se aproximam compromissos decisivos e que a mente muitas vezes define o que as pernas não conseguem resolver.

“Há coisas muito modernas que é bom utilizar, mas há algo que se deve sempre lembrar: a mente do futebolista tem de estar melhor do que todas as outras coisas”, afirmou. Antes de fazer uma lista de jogadores dispensáveis, pediu tempo à direção para compreender profundamente cada situação e decidir com bases sólidas, priorizando o compromisso individual sobre qualquer outra variável. Internamente, insistiu na necessidade de contratar jogadores de qualidade para acelerar o regresso ao cenário internacional. Ficou com a espinha atravessada da Libertadores 2020, um torneio para o qual a equipa estava num bom momento, mas que a pandemia interrompeu abruptamente, obrigando-os a jogar numa Bombonera vazia, sem o calor do público, um fator que pesa mais do que se pensa.

“Quando tomo a decisão de ir para um clube é porque é algo que me faz feliz. Boca é o Boca, Boca é todos os dias, é a cada minuto um monte de coisas, sei muito bem do que se trata e o que o adepto do Boca quer”, afirmou, firmemente. Sobre jogadores e táticas a utilizar, respondeu que “o futebolístico ficará para mais tarde”. E encerrou com uma definição que resume a sua ideologia: para que o sonho coletivo se torne realidade, “todos devemos estar focados na mesma coisa”.

Miguel Russo está de volta a casa, mas não para decorar quadros ou lembrar os velhos tempos, mas para vencer, para continuar a escrever a sua história.

Alex Barsa

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