Uma economia amarrada com arame

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Na Argentina, há uma frase que é muito usada e nos caracteriza muito bem: “atado con alambre”, que significa resolver algo de maneira criativa, rápida, mas precária e transitória.

Essa expressão se encaixa muito bem na situação econômica do país, pois, como veremos adiante, há aspectos que mostram uma melhoria inegável, mas que, ao investigarmos as causas por trás, percebemos que a maioria delas não é sustentável a longo prazo.

Quais são esses resultados positivos? Em primeiro lugar, houve uma queda significativa na inflação nos últimos meses. Embora tenha aumentado significativamente após a forte desvalorização feita pelo governo logo após tomar posse, a inflação diminuiu rapidamente, até mesmo mais do que o previsto por todas as consultorias de mercado.

O segundo aspecto econômico a destacar foi o aumento significativo das reservas internacionais acumuladas pelo Banco Central, em mais de 15,3 bilhões de dólares. No último ano do governo anterior, as reservas internacionais haviam diminuído drasticamente, tornando a autoridade monetária vulnerável para manter a estabilidade cambial.

Precisamente por esse motivo, outro aspecto positivo que o governo de Javier Milei pode destacar é a estabilidade do dólar financeiro (que aumentou apenas 5% desde o início de sua gestão). É importante lembrar que, devido às estritas regulamentações para compra de dólares existentes atualmente na Argentina, há uma taxa de câmbio oficial – mais barata – que é usada principalmente para liquidação de exportações e para pagamento de importações e dívidas em moeda estrangeira, e uma taxa de câmbio financeiro – mais cara – para o restante das transações. A diferença entre eles havia chegado a mais de 150% durante o governo Frente de Todos e agora está em torno de 20% há vários meses.

Por fim, o elemento mais importante para o governo, a ponto de ser anunciado em cadeia nacional, foi o superávit fiscal registrado nos três primeiros meses do ano.

No entanto, o problema surge quando investigamos os motivos por trás dessa melhoria. Começando pela inflação, o dado mais relevante para os cidadãos. Ao analisarmos as causas da importante desaceleração da inflação, nos deparamos, em primeiro lugar, com a forte recessão pela qual a economia está passando. As quedas em todos os setores da atividade econômica – em alguns casos, com valores semelhantes aos da pandemia – geraram uma acumulação significativa de estoques não vendidos (que representam um custo para as empresas), pressionando os preços para baixo. Além disso, o outro componente-chave foi que o Banco Central praticamente congelou o valor do câmbio oficial (fixou um aumento de 2% ao mês), o que funcionou como uma âncora para puxar os preços para baixo.

O problema é que nenhum desses dois fatores pode ser sustentado a longo prazo. Por exemplo, embora ainda sejam poucos os indicadores ligados à atividade econômica e ao consumo que apresentam uma melhora, tanto as projeções do FMI quanto as de diversas consultorias estimam que a recuperação começará no segundo semestre, o que colocará pressão sobre os preços.

Além disso, o fato de que o câmbio aumentou menos a cada mês do que a inflação implica que seu valor foi reduzido em termos reais, ou seja, ele ficou mais barato sistematicamente a cada mês, o que também não é sustentável no longo prazo. Se continuar assim, mais cedo ou mais tarde isso vai impulsionar a demanda por divisas – tanto do lado das importações quanto da compra de dólares para poupança -, o que poderia desencadear uma nova desvalorização (com o consequente impacto inflacionário).

Outro elemento que contribuiu para a menor inflação foi a estabilidade observada no câmbio financeiro. O preço desse dólar é muito importante, pois é um bom termômetro para o mercado e suas expectativas de depreciação.

Neste caso, há duas regulamentações que são fundamentais para compreender a estabilidade observada recentemente. Em primeiro lugar, o fato de que 80% das exportações são liquidadas para o dólar oficial e os 20% restantes para o dólar financeiro. O aumento lógico dessas exportações observado após o forte aumento de 120% na taxa de câmbio não só ajudou a fortalecer as reservas do Banco Central, mas também a manter estável o câmbio financeiro. Mas será que apenas os 20% liquidados são suficientes? Sim, porque o volume médio operado no mercado financeiro é quatro vezes menor que o do mercado oficial, ou seja, representa apenas 25%.

Além do aumento da oferta gerada pelas exportações, a demanda desse mercado é restrita por uma regulamentação “cruzada” que não permite às empresas acessar a compra de dólares financeiros (por exemplo, para dolarizar seus lucros), se nos últimos 90 dias eles compraram dólares no mercado oficial (usado para pagamento de importações).

O fato de Milei ter deixado essas restrições reflete duas leituras opostas que, no entanto, são compatíveis entre si. A mais crítica refere-se às frequentes contradições entre seu discurso de livre mercado extremo e sua efetiva ação; mas, por outro lado, isso também é um sinal de pragmatismo, algo obviamente necessário para governar.

Além dessas regulamentações, a estabilidade do dólar financeiro também é explicada pela notável acumulação de reservas internacionais mencionada anteriormente, um elemento-chave para fortalecer a capacidade do Banco Central de intervir no mercado cambial. Aqui, o aumento da oferta de divisas causado pela depreciação teve um papel importante, mas novamente surgem duas regulamentações que ajudaram a autoridade monetária a aumentar suas reservas.

Em primeiro lugar, a rígida regulamentação sobre a compra de dólares para poupança (estabelecida pelo governo anterior), à qual se soma outra sobre importações – estabelecida por esta gestão – que impôs às empresas um acesso “quotificado” à compra de dólares para importação (só podiam adquirir 25% do valor no mercado oficial, o restante era adiado para os meses seguintes, gerando uma dívida entre o Banco Central e as empresas importadoras). No final de março, essa dívida era de 11,1 bilhões de dólares, o que significa que 72% das reservas acumuladas pela autoridade monetária são explicadas pelo adiamento desses pagamentos.

Por último, o maior feito (na perspectiva de Milei): o superávit fiscal registrado nos primeiros quatro meses do ano. Isso é crucial porque o governo estabeleceu como meta mantê-lo até o final do ano.

Para atingir esse superávit, Milei aplicou o que chamou durante a campanha de “motosierra”, um ajuste drástico nos gastos públicos superior a 30% (comparado com o primeiro quadrimestre do ano anterior e descontando o efeito inflacionário).

O principal problema observado nesse caso é que quase 40% desse ajuste é explicado pela “liquidação” dos gastos associados ao pagamento de aposentadorias, já que nesses meses os pagamentos aumentaram muito menos do que a inflação, resultando em uma queda de mais de 15% no poder de compra até agora este ano. Por esse motivo, o governo decidiu que a partir de agora os salários serão atualizados mensalmente de acordo com a inflação, o que freará a queda no poder aquisitivo das aposentadorias, mas também os gastos públicos, representando um obstáculo para a meta fiscal.

Em resumo, embora nos cinco primeiros meses de gestão o governo de Javier Milei tenha mostrado melhorias em vários aspectos (redução da inflação, acumulação de reservas, estabilidade cambial e superávit fiscal), ao examinar as causas por trás dessas melhorias, dificilmente se percebe que elas possam ser sustentadas a longo prazo.

Por um lado, a forte recessão combinada com a queda do poder aquisitivo dos trabalhadores e aposentados está atingindo um patamar, o que é muito provável que nos próximos meses haja uma recuperação, algo encorajador para a sociedade, mas um problema para o governo, pois colocará pressão sobre a inflação e a meta fiscal.

Além disso, essa recuperação da atividade econômica, juntamente com o fato de que o Banco Central terá que começar a liquidar sua dívida com as empresas, aumentará significativamente a demanda por dólares para importações no mercado câmbial, tornando mais difícil a acumulação de reservas.

Para evitar uma nova depreciação cambial, o governo terá que incentivar a entrada de dólares, seja através de investimentos estrangeiros ou financiamento nos mercados internacionais. Ambas as opções exigem a eliminação de todas as regulamentações cambiais mencionadas anteriormente, o que também será um grande desafio. Será que conseguirá?

Alex Barsa

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